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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Degradação ambiental, interação com animais e população densa são receita para novos vírus

Caso de coronavírus identificado na China parece seguir o mesmo script de sempre, mas com novos atores

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Devo dizer que os recentes temores acerca do novo coronavírus identificado na China, capaz de causar pneumonia e até a morte, provocaram neste escriba uma indisfarçável sensação de “déjà vu”. Parece o mesmo script de sempre sendo encenado com novos atores.

Para esta Folha, escrevi sobre a Sars (síndrome respiratória aguda grave) em 2004, sobre a gripe aviária em 2005 e sobre a zika a partir de 2015 (sem falar nas reportagens que fiz para o G1 sobre a chamada gripe suína em 2009). E é impressionante como certos padrões se repetem. A saber:

1. Novas doenças infecciosas costumam começar como zoonoses: ou seja, saltam de bichos domésticos ou selvagens para humanos.

E isso desde a aurora das civilizações. As doenças que derrotamos graças à invenção das vacinas e que mais matavam gente antes disso – sarampo, varíola etc. — transpuseram a barreira de espécies, em geral chegando até os seres humanos por causa do contato próximo com os bichos que criamos, como vacas e ovelhas, ou que vivem como agregados indesejáveis em nossas casas (ratos e suas pulgas, por exemplo). Não é por acaso que duas gripes assustadoras recentes receberam os apelidos de “aviária” e “suína”.

2. Devastação ambiental é um ótimo jeito de adquirir vírus desconhecidos. As epidemias que têm sido gestadas nos mercados populares chineses desde a virada do século entram claramente nessa lista, mas a mesma coisa vale para a gênese da Aids na África, em meados do século passado.

Funciona assim: você junta grande densidade populacional humana com ávida demanda por proteína animal, de um lado, e uma rica biodiversidade de mamíferos e aves silvestres, do outro. Acrescente o hábito de consumir essa proteína fresquinha, logo depois do abate, e uma pitada (ou doses generosas) de condições sanitárias precárias na hora de degolar, estripar, esfolar e desossar os bichos.

Pronto: está posta a mesa farta — para vírus e outros patógenos, que ganham a chance de colonizar hospedeiros de uma nova espécie com bilhões de membros. Aconteceu no caso dos primatas africanos de onde vieram os ancestrais do HIV ou das civetas (pequenos carnívoros asiáticos), fonte do vírus da Sars (aliás, um coronavírus que parece ser relativamente próximo da nova ameaça identificada na China).

Em 2004, polícia chinesa confisca civetas (um dos reservatórios do vírus da Sars) em um mercado em Guangzhou; cerca de 10 mil bichos foram mortos - Reuters

Uma variação desse tema é o contato com doenças emergentes transmitidas por insetos durante incursões a florestas ou ao desmatamento, que acaba trazendo os bichos que são vetores das moléstias para perto das pessoas.

3. Vírus precisam “aprender” a infectar seres humanos. Estando adaptados a seus hospedeiros originais, as diferentes espécies de animais, os invasores iniciam seu ataque sem conseguir infectar com eficiência o Homo sapiens. Sofrem para viajar de pessoa para pessoa (coisa que qualquer resfriado vagabundo faz com o pé nas costas) e, quando entram no nosso organismo, às vezes o esculhambam com tanta virulência que não têm tempo de achar um novo hospedeiro antes de matar o atual.

4. Conhecimento básico é essencial. Sempre que algum desavisado resmungar na sua frente que estudar biodiversidade e interações ecológicas “não serve para nada”, eu sugeriria esfregar os fatos acima nas fuças do infeliz. Aproveite para recordar a ele que vive num país com quase todos os ingredientes necessários para abrigar doenças infecciosas emergentes. É muito melhor estar preparado.

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