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Jornalista e apresentador do programa 'Contraponto' na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).

Boiada levou Salles junto

Ministro já vai tarde, bem tarde

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O peixe morre pela boca. Ministros, pelo cofre, suposta esperteza e serventia esgotada para a chefia.

Além de atos delinquentes, Ricardo Salles ficará para sempre conhecido pelas palavras infames naquela reunião no dia do descobrimento do Brasil, 22 de abril. “Vamos aproveitar que a imprensa só fala em pandemia para passar a boiada e mudar todo o regramento jurídico.”

Na moita, sem nenhum trocadilho. Pôs as mãos à obra.

Sentindo-se endossado e acima da lei, Salles abriu a porteira de vez para aboiada. Pilhado num contrabando recorde de madeira ilegal, fez o que sempre soube fazer.

Articulou mudanças na Polícia Federal, defenestrou delegados que enxergaram seus crimes, trocou superintendências do Ibama. Cedeu carona em jatinhos para gangues de garimpeiros. Acolheu desmatadores e assassinos de indígenas, aliados da destruição ambiental voraz.

Errou a mão, assim como já havia feito no governo Alckmin, de quem foi assessor e de concreto só produziu mais processos contra ele. Errou o momento também.

Os negócios escusos vinham enchendo seus cofres, mas começaram a incomodar o agronegócio, o único setor da economia real que tem apresentado resultados timidamente positivos na economia em dissolução.

Quando se observam os resultados do PIB sem o agronegócio, os números são ainda mais pífios. Detalhe: o Brasil é um dos líderes da exportação de alimentos e commodities, enquanto a fome grassa aqui dentro e o desemprego empina —o agronegócio não gera mão de obra intensiva.

Gera PIBinhos, mas não enche pratos de comida ou cartões de ponto. A roda gira com maquinário, não com seres humanos –a não ser para os grandes latifundiários e seus terceirizados.

Salles e sua boiada viraram incômodos. A gota d’água são os processos em curso na Polícia Federal. Salles pensou que Bolsonaro ia blindá-lo. Chegou a ir à PF ao lado de um assessor armado.

Após 15 dias de uma devassa em suas propriedades (15 dias!), cedeu o celular, mas se recusou a entregar a senha. Pensou ter se safado ao comparecer à delegacia ao lado de um assessor armado.

Como se esconder meia dúzia de números e letras no mundo de hoje fosse um seguro inexpugnável. A esperteza se mostrou burrice como era de se esperar com esse tipo de criatura.

Bolsonaro só está interessado numa coisa: salvar a ele e a própria família da cadeia. Os delitos da quadrilha assentada no Planalto são públicos, notórios, nacionais e internacionais. Mais de uma centena de pedidos de impeachment empilhados nas gavetas de Arthur Lira, presidente do Senado. Este já avisou: a depender dele, continuarão mofando nos escaninhos.

A tendência é Bolsonaro multiplicar manobras para desviar o foco dos crimes de que ele e sua famiglia são acusados. Rachadinhas, Flavio Bolsonaro, Fabricio Queiroz, assassinato de Marielle, manipulação eleitoral –a lista é interminável. Onde foi parar esta folha corrida?

Ainda é pouco: escândalos dos escândalos, vai-se mostrando aos poucos que a participação do governo Bolsonaro nas mais de 500 mil mortes no país foi mais longe do que se pensava.

Além do boicote ao combate às medidas de combate à pandemia, descobre-se agora um esquema internacional de corrupção na compra de vacinas a preços 1.000% mais caros do que outras oferecidas há meses ao governo brasileiro.

Vacinas que nem sequer passaram pela Anvisa, mas negociadas com intermediários nacionais amigos do presidente. Coisa de mais de R$ 1 bilhão.

Dinheiro já reservado, empenhado, que só pode ser gasto para este fim. Enquanto isso postos de saúde da São Paulo e outras capitais fecham as portas por falta de imunizantes. Neste dia (23.04) lá se foram mais de 2.300 vidas.

Analogias são sempre pedagógicas, ajudam a refletir, mas dificilmente explicam o presente com todas as suas cores. O Brasil nunca passou por uma situação como esta.

Bolsonaro é mais que um acidente histórico, os arrependidos que o digam. É desequilibrado, psicopata, mitomaníaco, mesmo diante de seus grandes apoiadores da elite doméstica subserviente.

O apoio a Bolsonaro míngua a olhos vistos como mostram pesquisas e manifestações de rua de um lado e de outro. Nas Armas, ele tem apoio de PMs empobrecidos.

No Alto Comando do Exército, depende de oficiais ignorantes sem nenhum prestígio entre as tropas e mais preocupados em estufar os soldos (arrisco-me a dizer que até Mourão é mais respeitado na caserna).

No Congresso, a base de Bolsonaro é composta de uma maionese de partidos em relação aos quais duvido que qualquer brasileiro saiba citar os nomes das legendas.

Até o Judiciário ensaia alguma rebeldia (sem nenhuma ilusão sobre o amanhã), como mostrou o STF na votação contra Moro, inquirição de governadores e o TSE contra o voto impresso. Não há Aras capaz de tampar tantos furos no dique.

É bicho morto? De forma alguma. Feras acuadas tendem a ser mais ferozes. Daqui até as eleições (ou antes) é de se esperar de Bolsonaro novos espasmos contra a imprensa, canetadas com cada vez menos tinta, ameaças a granel ou até tentativas de quarteladas.

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