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Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Descrição de chapéu China

O que quer a Índia?

Incômodo com a ascensão da China cresce, e Déli se aproxima dos EUA

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Em setembro de 2019, Narendra Modi esteve no Texas e, ao lado de Donald Trump, era só elogios ao então presidente e aos EUA. Poucas semanas depois, recebia Xi Jinping em casa para uma visita de dois dias no sítio arqueológico de Mamallapuram.

Até pouco tempo, a Índia parecia exercer, com habilidade, seu papel de potência média na rivalidade entre China e EUA. Acenava aos dois lados e buscava tirar proveito do flerte simultâneo com os concorrentes.

Com credenciais de liderança no movimento de não-alinhamento na época da Guerra Fria, a Índia vinha praticando autonomia estratégica nas tensões do presente.

O presidente dos EUA, Joe Biden (no alto, à esq.), o premiê do Japão, Yoshihide Suga (no alto, à dir.), o premiê da Austrália, Scott Morrison (embaixo, à esq.) e o premiê da Índia, Narendra Modi, em reunião virtual do Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad, na sigla em inglês) - Kiyoshi Ota - 12.mar.21/AFP

Dois gigantes, China e Índia se respeitam. Além de compartilharem uma longa fronteira, os dois países são detentores de armas nucleares. Em conjunto, albergam quase dois quintos da população do planeta. Estão entre as cinco maiores economias mundiais. À distância, muitos diriam que as duas potências asiáticas têm, juntas, um futuro brilhante.

De perto, a realidade é mais complicada. Na Índia, acumulam-se sinais do incômodo com a ascensão chinesa. Os indianos sempre manifestaram desconfiança, por exemplo, com a Nova Rota da Seda, o grande projeto de política externa do vizinho. A relação estreita entre China e Paquistão, da mesma forma, irrita Déli. Tampouco ajuda o grande déficit comercial que a Índia acumula há anos com a China.

No entanto, foram tensões na fronteira que empurraram o relacionamento bilateral ladeira abaixo. Em junho do ano passado, uma disputa a paus e pedras no Himalaia reavivou o sentimento nacionalista de ambos os lados, ecoando a guerra que em 1962 opôs os vizinhos naquela mesma região.

A poeira agora baixou, mas os episódios de 2020 deixaram cicatrizes, fizeram disparar o sentimento anti-China entre os indianos e influenciam, hoje, o cálculo político de Déli. O viés pró-EUA que já se delineava tornou-se mais claro. O banimento do TikTok na Índia, tal como nos EUA, é apenas um exemplo.

O desdobramento mais concreto da guinada indiana veio agora, com a recente realização de um encontro entre os presidentes do chamado Quad —um mecanismo quadrilateral de segurança envolvendo EUA, Índia, Japão e Austrália. Sendo os dois últimos aliados americanos, o valor da iniciativa está em trazer a Índia para o que é claramente visto como uma coalizão anti-China.

No fim do mandato de Trump, seu governo divulgou uma suposta estratégia para a China —e a linha claramente era fortalecer os vínculos com a Índia para conter Pequim. O documento faz pensar num arremedo pós-fatos para dar um verniz de estratégia ao improviso. No entanto, Biden parece partilhar a visão sobre o papel chave da Índia na rivalidade EUA-China.

Pequim não achou graça. Referiu-se ao arranjo como Otan da Ásia-Pacífico, em alusão à aliança militar criada com o objetivo de conter a União Soviética. Um jornal nacionalista concluiu que o vizinho estava brincando com fogo.

A grande questão é se Déli realmente decidiu que, em companhia dos EUA, estará melhor. Ou se está dobrando a aposta no flerte, para colher resultados com os dois pretendentes. O veredito poderá vir nos próximos meses, quando a Índia decide se bloqueia empresas chinesas da sua rede 5G, ou nos próprios desdobramentos do Quad.

Seja lá o que pretende a Índia, há um ponto a partir do qual as promessas de amizade eterna não convencem mais. Esse momento pode estar chegando para as relações China-Índia.

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