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Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Descrição de chapéu Folhajus Eleições 2020

A revolução começa preta e trans

No tabuleiro pós-eleitoral, Bolsonaro perde, mas direita e centrão estão só no aquecimento

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Os dados estão lançados no tabuleiro. Centrão e direita tradicionais –como PSD/DEM/MDB/PP– saem vitoriosos em termos de prefeituras, o que é relevante para verificar que o continuísmo permanece forte, capilaridade partidária ainda importa e a revolução de extrema direita, se a eleição municipal servir de algum parâmetro, definha. Ainda é cedo para decretar a morte política da extrema direita, mas que ela passa mal, passa.

Neste jogo, Bolsonaro é o azarão ao fundo, e sai massacrado. Seu filho, Carlos Bolsonaro, se reelegeu como vereador no RJ, mas com 35 mil votos a menos do que em 2016. Mesmo que seja ainda expressivo para quem nada faz no cargo que ocupa, ainda assim é uma derrota do bolsonarismo como projeto de pátrio poder.

Quem faz política personalista com robôs e sem partido mais cedo ou mais tarde morre na praia, ou ali permanece vendendo açaí. Que o diga Wal Bolsonaro e seus 266 votos em Angra dos Reis. Cabe a Bolsonaro, se quiser sobreviver politicamente, construir estruturas partidárias e angariar alianças com quem tem estrutura administrativa-política nas mãos para ter alguma chance em 2022. E aqui que mora a questão no valor de um cheque de R$ 89 mil: para sobreviver, Bolsonaro precisará do centrão, além de de parte dos evangélicos que já possui na sua conta, mas que ainda pode perder.

Erika Hilton, eleita vereadora em São Paulo - Karime Xavier - 3.dez.19/Folhapress

Até 2022, tudo pode mudar, inclusive os ventos da economia, para pior. No entanto, as eleições municipais indicam que, até lá, o centrão e a direita tradicionais podem cansar de serem fiadores políticos de uma família cuja única agenda política é a autopreservação no poder. Quem tem prefeituras na mão pode se cansar de um ventríloquo sentado na cadeira da presidência.

Quanto à esquerda e à centro-direita tradicionais, enfileirassem os videntes a anunciar uma morte antes que o corpo caia duro ao chão. PT e PSDB permanecem relevantes nas câmaras municipais, apesar das expressivas derrotas majoritárias, e ainda duelam em grande parte dos pleitos do segundo turno. Quaisquer alternativas à esquerda e à centro-direita, respectivamente, dependem da máquina partidária e de filiados nada desprezíveis de ambos os partidos.

Mas para ganhar em 2022, com um centrão fortalecido nas cidades e uma direita que se une, esquerdas precisam somar o capital político que, mesmo reduzido, ainda têm. Afagos entre Tatto e Boulos são um ótimo sinal. O PDT não apoiar Manuela d’Ávila (PC do B) em Porto Alegre, se se confirmar, é por outro lado um péssimo sinal. O PSOL desponta como alternativa majoritária, e o futuro dos demais partidos progressistas depende do pragmatismo que, todos, deverão assumir para que haja algum tipo de concertação política.

Se qualquer análise política não pode ser feita apenas a partir do umbigo sudestino-sulista, também é verdade que o tabuleiro do Sul ao Norte se move enquanto se joga, e para resistir a avanços da direita nas cidades, inclusive no Nordeste, é necessário combinar o jogo à esquerda entre os que ainda têm peças para jogar, os eleitos.

No tabuleiro político pós-eleitoral, Bolsonaro saiu mancando, mas direita e centro tradicionais estão só no aquecimento, e é contra eles, também, que as esquerdas hão de jogar.

À direita e ao centro, o eleitorado preferiu a continuidade. Nesse marasmo, vieram da esquerda novos sonhos de futuro. A esquerda está viva nos corpos pretos e trans que elegeu. Erika Hilton, a co-vereadora Carolina Iara em SP, Duda Salabert em Belo Horizonte, Benny Briolly em Niterói, Linda Brasil em Aracaju.

Foram 25 candidaturas trans eleitas em 2020, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Vitórias também foram vistas em cidades médias como Bom Repouso, Uberlândia (MG), Batatais, Araraquara, Limeira (SP), Natividade (RJ), Rio Grande (RS) e Canauba do Dantas (RN). Os ventos que a esperança sopra levam corpos pretos, trans para o centro do poder. O que para os outros é identidade para nós é existência.

Negras quebraram o teto de vidro em Curitiba, com a eleição da primeira vereadora negra, Carol Dartora, pelo PT. Viúva de Marielle Franco, Monica Benício se elegeu no Rio, junto com as potências negras de Tainá de Paula e Thais Ferreira. Quilombo periférico em São Paulo, o que é lindo demais. Diversas candidatas apoiadas pelo Instituto Marielle Franco se elegeram Brasil afora. São as Marielles e Dandaras presentes, eleitas que encarnam as vozes de multidões por uma política radical, porque genuína.

A revolução começa preta e trans. E é só o começo. Quando esses corpos se movem para o centro da política, todos nós nos movemos. Nos movemos, sabendo que à espreita está o bolsonarismo, enfraquecido, e o centrão e direita tradicionais, fortalecidos.

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