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Descrição de chapéu Folha, 100

De 1974, prédio da Folha causava vertigem com suas pastilhas coloridas; veja infográfico 3D

Mudanças tecnológicas reduziram o barulho na Redação, que hoje vive no silêncio imposto pelo home office na pandemia

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São Paulo

“Um imponente prédio novo de 11 andares foi construído, acoplado ao antigo, na alameda Barão de Limeira, o qual já havia sido por sua vez ligado a outro de oito pavimentos, e a mais um, vizinho, de dois pavimentos.”

Assim a nova sede da Folha, localizada no centro de São Paulo, era descrita em 31 de dezembro de 1974. Soa labiríntico e era também vertiginoso, não só pelo crescimento do número de jornalistas (que foi a 150) e dos assinantes (que bateram 100 mil), mas principalmente pelo revestimento.

À direita, o prédio amarelado da Folha na alameda Barão de Limeira, nos Campos Elísios - Lalo de Almeida/Folhapress

POR DENTRO DO PRÉDIO DA FOLHAEM INFOGRÁFICO 3D

Uma cifra falta no texto. Quantos milhares de pastilhas multicoloridas foram necessários para recobrir todas as superfícies internas do edifício? Sim. Todas.

“Era teto, era tudo. Era enlouquecedor”, resume Helô Machado. Dos 17 anos que ficou no jornal —ingressou em 1968 quando era ainda estudante universitária—, 11 ela passou em meio às pastilhas.
Talvez por isso elas apareçam de maneira quase unânime nos relatos das pessoas consultadas para este texto.

Hoje superintendente da Folha, Antonio Manuel Teixeira Mendes chegou ao edifício da Barão de Limeira em 1985, aos 27 anos. Sua primeira impressão foi uma sensação de labirintite, conta. “‘Dá para acostumar?’, eu perguntava.”

Pastilhas que revestem o prédio da Folha, na alameda Barão de Limeira, 425, no bairro dos Campos Elíseos - Lalo de Almeida/Folhapress

Teixeira Mendes vinha dos bancos da USP, onde cursou graduação e mestrado em ciências sociais, e do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que deixou para iniciar o Datafolha.

Vendo além da miríade pastilhada, teceu uma reflexão de corte marxista —o prédio seria uma síntese da sociedade.

Havia a classe operária, “da maneira mais caracterizada que existe, o cara de macacão”, os gráficos; “a burguesia, o dono, o acionista”; e “os intelectuais”, representados nos jornalistas da Redação.

Quando a Redação começou a ser informatizada, o barulho foi diminuindo. Por meio da rede de computadores, você já falava com o outro

Antonio Manuel Teixeira Mendes

Superintendente da Folha

Ele observa “a relação interessante que o prédio estabelecia com a hierarquia”.

“A classe operária estava no térreo; no meio os intelectuais, o coração do negócio do ponto de vista do produto, que era a Redação”, no quarto andar. O cérebro ficava lá no alto —a sala do publisher, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), e a do diretor de Redação, Otavio Frias Filho (1957-2018), no nono andar.

Acima deles, apenas o céu —ou quase. No alto do prédio, há uma piscina, que serve atualmente como reservatório anti-incêndio, e um heliponto, hoje desativado.

O 9º andar da sede do jornal, com vista para a cidade - Lalo de Almeida/Folhapress

Não faltava, diz Teixeira Mendes, nem o lumpemproletariado —os trabalhadores fora do mercado formal, desprovidos de consciência de classe.

Eram “desempregados, moradores de rua, pessoas de passagem”, pagos por jornada, que davam apoio ao encarte e à distribuição.

Segundo o superintendente, podia haver 200 ou 300 pessoas no pátio —fora do prédio, mas contíguo a ele— trabalhando na madrugada, embarcando o jornal nos caminhões. E em alguns momentos até mais.

“Quando a gente bateu aquelas tiragens malucas, chegou a ter milhares de trabalhadores avulsos.”

Em 1986, a Folha tornou-se o jornal de maior circulação do país. Nos anos 1990, houve tiragens históricas —ou “malucas”—, impulsionadas por brindes e fascículos, como o atlas histórico Folha/The Times, cujo lançamento, em 12 de março de 1995, levou o jornal a imprimir mais de 1,6 milhão de exemplares.

A atividade feérica relembrada por Teixeira Mendes era em parte propiciada pelo fato de o jornal ser, até 1995 —quando foi inaugurado o CTGF (Centro Gráfico Tecnológico Folha)— impresso ali.

Se a Redação vibrava, o térreo sacudia com as máquinas Goss que, em 28 de janeiro de 1968, imprimiram, pela primeira vez na América Latina, um jornal inteiro em offset.

Constâncio Sbampato (1940-2016) estava lá quando isso aconteceu. Filho de linotipista, o gráfico começou como mecânico e chegaria a chefe da manutenção das máquinas, recorda seu filho, o arquiteto Alessandro Sbampato.

Foram três décadas na gráfica da Barão de Limeira. O filho conta que pedia às vezes para passar a noite lá com o pai e guarda detalhes das ocasiões em que escalou, com a permissão do vigia, bobinas enormes de papel, ou dormiu na sala de descanso sob as máquinas.

O ambiente trepidante se estendia até o lar. O pai dormia de dia com o rádio ligado. Se alguém apagasse o aparelho, ele acordava —o silêncio o punha em alerta porque, na gráfica, o barulho só cessava se algo tinha parado de funcionar.

“Ele gostava muito de trabalhar ali. Tinha um orgulho gigantesco de ser responsável pelo jornal sair no dia seguinte.” Levava para casa todos os jornais que saíam das máquinas de que cuidava.

Mesmo o serviço médico era no edifício. Alessandro recorda ir com a mãe ao pediatra ali. Um ou dois andares abaixo ficavam os estúdios de Mauricio de Sousa, e para o menino era de lei ir buscar gibis nas mãos do próprio desenhista.

O frenesi e a vibração se amenizaram ao longo dos anos, com a introdução de mudanças tecnológicas. “Quando a Redação começou a ser informatizada, o barulho foi diminuindo. Por meio da rede de computadores, você já falava com o outro”, recorda Teixeira Mendes.

Nas duas encarnações da Redação que conheceu, conta Helô Machado, “era todo mundo fumando para chuchu e era um vozerio”.

Foram silenciados os gritos de “desce” com que se conclamavam os contínuos para levar as páginas para a fotocomposição —processo eletrônico que em 1971 substituiu a linotipia, no segundo andar do prédio (embora ainda se diga que uma página “desceu” quando é enviada para a gráfica, hoje a mais de 30 km dali).

A informatização também cortou a vertigem, como recorda João Batista Natali, que entrou para o jornal em 1969.

Para passar o cabeamento dos computadores, foi instalado um tablado sobre o piso original, gerando inclusive uma piada interna. “O Boris [Casoy], que era diretor de Redação, disse ‘O Frias mandou subir o piso da Redação”. Piso, como se sabe, é também o nome dado ao salário-base de uma categoria profissional.

Com isso, parte considerável das pastilhas desapareceu de vista. Quase todo o resto foi pintado de branco ou bege —mas persistem em varandas e em passagens menos visíveis, sem causar incômodo.

Antes onipresentes, as pastilhas que revestem os ambientes no prédio da Folha hoje ficam restritas a ambientes menos visíveis, como as escadas - Lalo de Almeida/Folhapress

A maior reforma por que passou o prédio se deu entre 2007 e 2009, quando o escritório Andrade Morettin foi chamado com o objetivo principal de integrar as Redações da Folha e do Agora, que funcionavam respectivamente no quarto e no segundo andares.

Foi preciso pensar no todo, na “constelação de prédios articulados”, diz Vinicius Andrade, para dar conta do recado.

Os arquitetos fizeram um plano-diretor, mapeando e redistribuindo toda as atividades no edifício, de maneira a fazer do quarto e quinto andar uma unidade funcional, conectada por duas novas escadas, a partir de um rasgo na laje entre os dois andares.

Embora o prédio tenha “varanda para todo lado”, diz Andrade, “trabalhar no computador não era uma realidade quando o prédio foi concebido, e de certa forma conflita com aquelas janelas supergenerosas” —hoje necessariamente cobertas por cortinas para que a luminosidade lateral não reflita nos monitores.

A criação de uma cobertura transparente no quinto andar permitiu que, apesar disso, boa parte do ambiente se beneficiasse de luz natural.

Os interiores, que ironia, eram cinzentos demais, taciturnos. Pintar de laranja as novas escadas devolveu algum calor ao ambiente.

Mas, no geral, define Andrade, o trabalho “foi o de botar as vírgulas no lugar certo”, pois o edifício de 1974 é “um digno exemplar da arquitetura moderna paulistana”.

Sala de refeições do 9º andar no prédio da Folha - Lalo de Almeida/Folhapress

O autor do projeto, Carlos Lemos, 95, diz que muitas de suas ideias originais acabaram não implantadas e só reivindica a autoria dos últimos pisos, em especial o nono andar, de onde pai e filho comandavam o jornal.

Ali, diante do auditório recém-modernizado, ainda está a escultura de metal de Caciporé Torres escolhida por Lemos, como quase todas as obras de arte no andar que é uma das faces mais públicas do jornal —é onde são recebidas as visitas e acontecem debates e seminários.

Escultura de metal de Caciporé Torres, instalada à frente do auditório da Folha, no 9º andar do prédio da alameda Barão de Limeira, 425 - Lalo de Almeida/Folhapress

Sobre todos os espaços, porém, hoje reina um silêncio incomum, muito maior do que o que deixou Helô Machado melancólica, quando em 2018, nos 60 anos da Ilustrada, reuniu-se no jornal com outros ex-editores do caderno. A mesma tecnologia que apagou parte do ruído e do colorido do prédio também permite mantê-lo vazio, ou quase, durante a pandemia.

Em 11 de março de 2020, 198 profissionais da Redação iam à sede do jornal diariamente. No fim de abril, todos menos 16 estavam em home office. Em julho, havia só 5% em regime presencial.

Hoje, quase todos os profissionais esperam pela hora em que poderão, com segurança, voltar a ocupar o prédio amarelo da Barão de Limeira.

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