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'Cuido delas como filhas', diz executivo aposentado que já plantou 41 mil árvores em SP

Hélio da Silva recuperou área na zona leste com espécies nativas da mata atlântica; local virou o Parque Linear Tiquatira

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São Paulo

O administrador aposentado Hélio da Silva, 73, trabalhou como executivo de grandes empresas. Hoje, seu cartão de visitas é outro — literalmente: no exemplar que ele entregou à reportagem, está escrito "Hélio da Silva, plantador de árvores".

Sr. Hélio, como todos o chamam, tem currículo para isso. Nos últimos 21 anos, ele plantou, por sua conta, 41 mil árvores, de 170 espécies, na cidade de São Paulo. A maioria delas fica no Parque Linear Tiquatira, na zona leste, onde ele vive desde que chegou à capital paulista vindo do interior, aos oito anos.

Em 2003, Sr. Hélio começou a plantar árvores nativas da mata atlântica, na tentativa de recuperar uma área degradada e subutilizada na beira do córrego do Tiquatira. Em 2008, a área foi transformada em parque pela prefeitura. Hoje, é um dos maiores parques lineares do mundo, com 320 mil metros quadrados e 3,2 quilômetros de extensão.

Lá, o cartão de visitas de Hélio não precisa ser distribuído com frequência. Dos vizinhos que passam na pista de caminhada aos funcionários que cuidam da manutenção, todos o conhecem e o cumprimentam.

Sr. Hélio anota cada avanço em um diário e conhece o nome da espécie e o ano de nascimento da maioria delas. "Árvore é como filho", diz, em vários momentos. Sua meta é ser pai de ao menos 50 mil árvores. "Não é mais um hobby virou missão", diz.

"Nasci na cidade de Promissão, a 500 km de São Paulo. Vim para cá com 8 anos de idade e nunca saí da zona leste.

São Paulo e a zona leste me deram muitas oportunidades na vida: de estudar, de conhecer o mundo, de casar, ter três filhos e quatro netos. Plantando árvores, sinto que estou retribuindo esses presentes.

Isto aqui era uma área abandonada, degradada, cheia de lixo. Não tinha verde, só tinha capim. No dia 23 de novembro de 2003, caminhando com minha esposa, falei para ela: vou plantar 50 mil árvores aqui.

Ela me desestimulou, preocupada com minha segurança. Aquilo era uma mini-cracolândia, ela achou que eu poderia ser agredido. Os comerciantes também não queriam, porque usavam a área como estacionamento.

Mas aquilo me serviu de gatilho. Esse desestímulo me fez pensar: poxa vida, se é tão difícil assim, não é todo mundo que faz. Então eu vou fazer.

Comecei com 200 mudas. Demorei uns quatro meses para plantar todas, porque eu trabalhava e só podia vir aos sábados e domingos. Um dia, voltei para dar uma olhada e tinham destruído as 200 árvores. Decidi, então, plantar mais 400. Demorei uns quatro meses, plantei todas, mas destruíram tudo de novo.

Falei: ‘Ah, é? Agora vou plantar 5.000’. Algumas pessoas viam minha insistência e ofereciam ajuda, mas a maioria eu plantava sozinho. Em 2008, chegamos às 5.000 árvores. Na época, a prefeitura tinha um plano de criar um parque linear. Conversei com o então secretário de meio ambiente e foi criado o primeiro no Tiquatira.

Aqui tem mais de 170 espécies: jatobá, guapuruvu, araucária, pitanga, jabuticaba. A cada 12 mudas, uma é frutífera.

Planto de 1.800 a 2.000 árvores por ano. Faltam 9.000 para chegar à meta de 50 mil e acho que em quatro anos e meio, no máximo cinco, eu completo. E não é só no Tiquatira: plantei umas 1.000 na cidade de Jacareí, mais de 3.700 no piscinão da Penha. Aqui no parque deve ter umas 30 mil.

Geralmente compro de 200 a 300 mudas de uma vez e armazeno na minha casa. Aí pego 50 e levo para plantar, depois outras 50. Tive que operar os dois ombros [por causa do esforço exigido pelo plantio], mas faz parte.

O índice de sobrevivência das árvores que eu planto é acima de 90%, porque eu também cuido delas. Árvore é igual filho: tem que cortar a unha, o cabelinho dele, dar as vacinas, comprar a roupinha. Eu, quando entro em um lugar para comprar 100 kg de adubo, fico super feliz. Durmo à noite pensando: amanhã tem aquela árvore para plantar, aquela lá está secando, tenho que cortar aquele galhinho. Isso povoa minha mente.

A conta bancária também povoa a minha mente. No ano passado, gastei aqui em torno de R$ 40 mil — com mudas, combustível, pedágio para ir nos viveiros, adubo. Mas na vida tem a época de ganhar dinheiro e a época de gastar.

As árvores dão muito mais para mim do que eu dou para elas. Elas regulam a temperatura, retém 40% da água da chuva, evitam enchentes. Quem mora perto de áreas arborizadas ganha cinco anos de vida, segundo um estudo. Árvores dão flores e frutos que alimentam os passarinhos — hoje, há cerca de 40 espécies de pássaros aqui. E fazem tudo isso de graça. Olha só quanta generosidade.

Recebo depoimentos de pessoas de idade dizendo que estavam deprimidas porque não saíam de casa: era perigoso, tinha assalto. Aí veio o parque e, com ele, vieram segurança, banheiros, aparelhos de ginástica, pista de caminhada. Essas pessoas começaram a sair, fizeram amizade entre elas.

Há estudos na Coreia do Sul e no Japão que dizem que a floresta cura. O verde cura. Se um amigo fala que está em depressão, falo para ele ir ao parque andar. Não precisa abraçar árvores se tiver vergonha, mas vai.

Esse é um movimento no mundo todo. São Paulo tem 650 mil árvores, mas, pelo tamanho da população, precisaria de no mínimo 2 milhões. No planeta, hoje, segundo imagens de satélite, há mais ou menos 30 trilhões de árvores. Precisaria de mais 10 trilhões.

Para mim, não é mais um hobby, virou uma missão. Pretendo plantar árvores até o último olhar. Não vou morrer, vou virar árvore. Se alguém quiser me ver, é só olhar para qualquer árvore e pode dizer: olha o Hélio lá!"

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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