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'Não esqueço do bebê que morreu a metros da ambulância', diz líder de ONG na Cisjordânia

Cercados por barreiras militares de Israel, palestinos no território ocupado têm dificuldade para acessar serviços básicos em meio a escalada de violência

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São Paulo (SP)

Em mais de uma década de trabalho humanitário no Oriente Médio, poucas cenas marcaram tanto a americana Kristen Phelps quanto a morte de um bebê de cinco meses diante de um posto de controle israelense na Cisjordânia.

Embora uma ambulância estivesse pronta para o resgate da criança com dificuldades respiratórias a 50 metros de distância, sua família não conseguiu ultrapassar a barreira a tempo de salvá-la.

"É uma história que exemplifica o quão desafiadoras as restrições de movimento podem ser para o acesso a serviços essenciais", diz a diretora da ONG Visão Mundial na Cisjordânia.

"Temos um programa que conecta crianças a doadores de todo o mundo. O bebê, que era irmão de uma de nossas crianças apadrinhadas, entrou em insuficiência respiratória e precisou ser levado ao hospital. A ambulância chegou a um dos postos de controle, mas a família não pôde alcançá-la."

Crianças palestinas caminham ao lado de muro que separa Jerusalém da cidade de Abu Dis, na Cisjordânia - Folhapress

Esse caso evidencia as tensões históricas entre israelenses e palestinos no território, que se intensificaram com o início da guerra Israel-Hamas, em outubro de 2023.

A ocupação militar de Israel na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, teve início em 1967, após a Guerra dos Seis Dias. Desde então, foram criados e expandidos assentamentos (atualmente, eles somam 146), que abrigam quase 480 mil colonos israelenses, segundo a ONG Peace Now.

Porém estimativas apontam a existência de mais de 300 colônias, com uma população israelense que ultrapassa 700 mil, no território habitado por quase 3 milhões de palestinos.

Parte da comunidade internacional considera os assentamentos ilegais ou ilegítimos. Em julho deste ano, a CIJ (Corte Internacional de Justiça) determinou que Israel encerre a ocupação militar o mais rápido possível, classificando-a como uma violação do direito internacional.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, criticou essa determinação. "O povo judeu não é ocupante de sua própria terra, nem em nossa capital eterna, Jerusalém, nem em nosso patrimônio ancestral da Judeia e Samaria [Cisjordânia]. Nenhum parecer absurdo de Haia pode negar essa verdade histórica", disse no X.

Sob o pretexto de garantir a segurança dos assentamentos, as Forças de Defesa de Israel ergueram um "muro de separação" de concreto armado, com 700 km de comprimento e 8 metros de altura.

Postos de controle, que limitam a movimentação dos palestinos, estão espalhados ao longo desse muro, assim como em estradas e entradas de vilas e aldeias.

Um tanque israelense manobra perto da fronteira com Gaza, em meio ao conflito Israel-Hamas, no sul de Israel, em 29 de agosto de 2024 - REUTERS

Até 2023, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários havia registrado a existência de 565 obstáculos de diferentes tipos na Cisjordânia. Destes, 49 eram postos de controle permanentemente ocupados por forças israelenses ou empresas de segurança privada, enquanto 139 eram ocupados ocasionalmente.

O órgão avaliou que mais da metade dos obstáculos provoca impacto severo na vida dos palestinos, ao impedir ou restringir o acesso a estradas, centros urbanos, serviços essenciais e áreas agrícolas.

"As barreiras transformam o que deveriam ser pequenas viagens em jornadas de horas, que podem ser bastante tensas e perigosas. Serviços de emergência, como ambulâncias e carros de bombeiros, ou mesmo professores não estão isentos disso", diz Kristen Phelps.

Aumento da violência contra palestinos

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), desde o início da guerra Israel-Hamas, mais de 500 palestinos perderam a vida e ao menos 5.000 foram feridos na Cisjordânia. Já Israel contabiliza 24 vítimas fatais.

Em 22 de agosto, três palestinos foram mortos em um ataque aéreo israelense a um campo de refugiados no território ocupado, de acordo com o Ministério da Saúde da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Entre outubro de 2023 e agosto de 2024, a ONU contabilizou mais de 1.200 ataques desse tipo.

Crianças palestinas são especialmente afetadas pela onda de violência: 143 delas foram mortas na Cisjordânia desde outubro do ano passado —aumento de quase 250% em comparação com os nove meses anteriores.

De acordo com o Escritório Central de Estatísticas da Palestina, quase metade da sociedade palestina é composta por crianças. O número projetado de pessoas com menos de 18 anos até meados de 2024 era de 2,43 milhões, com 1,36 milhão apenas na Cisjordânia.

"Como consequência da situação horrível em Gaza, temos visto um aumento drástico da violência na Cisjordânia. Esse é um dos cenários mais desafiadores desde o começo dos anos 2000", diz a diretora da ONG Visão Mundial.

"Preparamos moradores para combater incêndios em terras agrícolas ou edifícios e ajudamos a desenvolver planos de segurança para que crianças possam sair de locais sob ataque."

Visando promover a saúde mental dos alunos, a Visão Mundial mantém programas de esportes, assistência psicossocial e arte. Por meio do projeto Clubes Makani ("meu lugar" em árabe), a ONG apoia agremiações que promovem atividades extracurriculares, beneficiando 17 mil crianças. O currículo inclui sessões sobre direitos das crianças e proteção contra abuso.

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