Siga a folha

Descrição de chapéu Artes Cênicas

'O Quebra-Nozes' quase não foi encenado este ano, até que veio um milagre de Natal

Cia. de Dança Cisne Negro enfrentou crise e pandemia para montar o espetáculo, tradição em São Paulo há 36 anos

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Hoje à frente da companhia Cisne Negro, Dany Bittencourt tinha 18 anos quando dançou “O Quebra-Nozes” pela primeira vez. Então, interpretou Clara, menina que recebe um quebra-nozes de presente de Natal e sonha que ele ganha vida.

Bittencourt viu a companhia apresentar o espetáculo pelos 35 anos seguintes, sempre no fim do ano. Até que veio a pandemia e, ao que tudo indicava, o fim da tradição.

Um aporte do Itaú que manteve o sustento da companhia no primeiro semestre não foi renovado. Todas as outras tentativas de conseguir patrocínios foram mal-sucedidas, conta Bittencourt. A solução foi dispensar os bailarinos da Cisne Negro, 11 no total, em agosto.

A esperança voltou cerca de um mês depois disso, com o convite do teatro Santander para a companhia participar da programação de reabertura do espaço, que fica no complexo do shopping JK Iguatemi, na zona oeste paulistana. “Os diretores de marketing me procuraram no fim de semana e disseram que o projeto tinha que estar na mesa do presidente na segunda de manhã”, lembra Bittencourt.

Ela conseguiu entregar a proposta a tempo —e o Cisne Negro apresenta “A Magia do Quebra-Nozes” lá neste fim de semana, com metade da lotação usual e obrigatoriedade de uso de máscaras pelo público. Depois, em 18, 19 e 20 de dezembro, o grupo encena o balé e uma outra coreografia no teatro Alfa, para plateias ao vivo e online.

A versão do balé que o Cisne Negro leva aos palcos agora é, no entanto, um pouco diferente daquelas passadas.

O prólogo e o primeiro ato, em que a menina Clara ganha o quebra-nozes e imagina que ele se transforma num belo príncipe, a protege de perigos e a leva para conhecer um reino nevado, foram suprimidos, e serão narrados pela bailarina veterana Ana Botafogo antes do espetáculo.

Eram atos em que havia muitas crianças e trocas de cenário, o que causaria aglomerações nas coxias, afirma Bittencourt. Ela acrescenta que o número de profissionais que estarão no palco diminuiu de cerca de 60 para 24.

“A Magia do Quebra-Nozes” consiste, então, só no segundo ato do balé original, em que o boneco transformado em príncipe leva Clara ao reino dos doces. Lá, eles conhecem árabes, espanhóis e chineses, que, em duplas, trios e quartetos, protagonizam coreografias. E assistem ao pas-de-deux final com os bailarinos convidados Márcia Jaqueline e Cícero Gomes, solistas do Theatro Municipal carioca.

Já o papel do Quebra-Nozes é de um bailarino da própria Cisne Negro, Renato Lima.

Ele conta que, morando de aluguel e com uma filha para criar, se viu obrigado a buscar uma nova ocupação quando o Cisne Negro interrompeu as atividades. Pediu emprestado a Bittencourt uma banca de feira que fazia parte do cenário de uma produção da companhia, “Goitá”, e passou a vender café e doces preparados pela mulher num terminal de ônibus perto de sua casa, em Osasco.

Quando as aulas da companhia foram retomadas, ele começou a intercalar os dias de ensaios e de trabalho na banca, usando o dinheiro das vendas para a passagem.

A situação de Lima não é isolada. O Balé Folclórico da Bahia, por exemplo, teve de dispensar 19 dos seus 24 bailarinos durante a pandemia, e hoje acumula uma dívida de R$ 104 mil —uma vaquinha para ajudar a pagar as contas está aberta na internet.

Essa fragilidade financeira também não é um problema recente, causado só pelo coronavírus, afirma Márcia Jaqueline. Ela passou meses sem receber seu salário no Municipal carioca antes de pedir uma licença para dançar numa companhia na Áustria há três anos e meio.

“Em toda entrevista falamos que falta incentivo à cultura, e o fazemos porque isso não mudou desde que comecei a dançar”, diz Jaqueline, de férias no Brasil. “E é tão importante. Uma criança carente pode ter uma carreira se tiver acesso à cultura. Foi o meu caso.”

A própria Cisne Negro não conseguiu nenhum patrocínio no ano passado e se manteve em grande parte por causa da bilheteria de “O Quebra-Nozes” de dois anos atrás. É um feito que provavelmente não repetirão este ano, com plateias reduzidas e o número de apresentações do espetáculo caindo de 16 para cinco. Em 2020, eles captaram via Lei Rouanet o equivalente a 30% da média de anos anteriores.

Estamos muito preocupados com 2021. Inscrevi muitos projetos, estou esperando respostas”, diz Bittencourt. “Mas, até agora, todos disseram estar esperando o fim da pandemia, ou não ter interesse em apresentações presenciais.”

Além da questão financeira, os profissionais da área ainda sofrem com a falta de espaço para treinar, afirma Ana Botafogo. “Bailarino precisa de um lugar grande para dançar. Muitos estão fazendo
aulas em casa todos os dias, mas na hora que você sai correndo pelo palco, o fôlego é outro, a técnica é outra.”

Botafogo diz que, mais do que temer pelo futuro das companhias, ela se preocupa com esses bailarinos. “Claro que é possível encenar espetáculos online, cada um da sua casa. Mas isso é temporário. Porque companhia, já diz o nome, exige estar perto. Para contar a história da Clara, precisamos de muitos personagens”, diz. Além disso, ela acrescenta, não há nada como estar no palco. “Palco e público são um binômio necessário na vida do artista.”

Talvez por isso a oportunidade de se apresentar no teatro, agora, soe tão especial para Bittencourt. Esta é a segunda vez em oito meses que a Cisne Negro sobe, toda reunida, num tablado —a primeira foi em outubro, numa homenagem às vítimas do coronavírus no teatro J. Safra.

Lima, o Quebra-Nozes, conta que não está exatamente ansioso para estar no palco, e sim para avistar a plateia. É que ali deve estar sua filha que, aos dois anos recém-completados, não pode ouvir uma música que sai dançando.

“Sempre a imaginei me vendo no palco, mas tinha desistido disso neste ano”, ele diz. “Para mim, estar ali é uma lembrança para não desistirmos dos nossos sonhos.”

A Magia do Quebra-Nozes

Avaliação:
  • Quando: Sáb. (28) e dom. (29), às 18h
  • Onde: Teatro Santander, av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2041
  • Preço: Ingr.: R$ 50 a R$ 160
  • Classificação: Livre
  • Link: https://bileto.sympla.com.br/event/66710

O Quebra-Nozes e Cânticos Místicos

Avaliação:

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas