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Descrição de chapéu The New York Times Filmes

Conheça a carreira de Robert De Niro a partir de cinco objetos de seu acervo

Dos primeiros currículos a itens de filmes com Martin Scorsese, exibição é fruto de doação do ator ao Harry Ransom Center

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Dina Gachman
Austin (EUA) | The New York Times

Quando Robert De Niro descobriu que a cópia pessoal de Marlon Brando do roteiro de "O Poderoso Chefão" estava à venda no eBay, ele não ficou muito feliz. Como é que um artefato cultural tão importante, criado por um ator emblemático, podia ir a leilão com a mesma facilidade que uma velha máquina de pinball ou uma caneca de café de Las Vegas?

O ator Robert De Niro em cena do filme 'Taxi Driver', de Martin Scorsese - Divulgação

Isso aconteceu por volta de 2006, período em que De Niro estava à procura de um lugar ao qual doar a extensa coleção de adereços, figurinos, roteiros, cartas e recordações que havia acumulado ao longo de suas seis décadas de carreira.

Ele não queria que suas anotações sobre o roteiro de "Taxi Driver" terminassem se deteriorando trancadas no armário de um desconhecido em Des Moines, por exemplo, e por isso procurou um lugar em que os arquivistas e a equipe cuidassem de e preservassem cada peça, o que incluía as luvas de boxe vermelhas e a capa com estampa de leopardo que ele usou para o papel de Jake LaMotta em "Touro Indomável" e as páginas de cartas trocadas entre ele e seu diretor em "O Último Magnata", Elia Kazan.

"Eu queria guardar o material para os meus filhos e queria que o acervo fosse mantido na íntegra", me disse De Niro logo depois de ver uma exposição no Harry Ransom Center, da Universidade do Texas em Austin, que mostrava parte de seus arquivos.

Ele visitou a cidade para a exposição e para um evento de gala em comemoração do 65º aniversário do Ransom Center. Leonard Maltin apresentou a cerimônia, e Meryl Streep viajou ao Texas para homenagear com um discurso o amigo e colega de longa data.

"Se você mergulhar no acervo todo, não sei se vai ser possível descobrir o segredo de seu poder e daquilo que ele faz", disse Streep em seu discurso. "A força dele vem do que ele não diz."

O Texas parece ser um lar estranho para os dois troféus do Oscar e as fotos pessoais de De Niro, mas ele estava à procura de uma instituição que oferecesse acesso fácil a estudantes, pesquisadores e cinéfilos de todo o mundo. Como o ator disse em seu discurso naquela noite, "eu tinha acumulado uma quantidade pavorosa de material". "Não sabia se aquilo viria parar no Ransom Center ou em um episódio de reality show sobre acumuladores.

O ator Robert De Niro em cena do filme 'O Touro Indomável' - Divulgação

O centro abriga os acervos da professora de teatro Stella Adler, dos escritores Samuel Beckett, T.S. Eliot, Tom Stoppard e Tennessee Williams e da artista Frida Kahlo, para mencionar apenas alguns exemplos. Em seu discurso, De Niro disse que ele escolheu o Ransom Center por causa da companhia em que suas coisas estariam. "Imagino minha papelada conversando com a deles, ou pelo menos tentando, e a papelada deles perguntando ‘mas que diabos você está fazendo aqui?’"

A exposição "Robert De Niro Papers" está em cartaz até janeiro e mostra uma parte das 537 caixas, 601 volumes encadernados e 147 pastas de itens doados por De Niro. Abaixo, alguns dos tesouros da exposição, com comentários de De Niro e do curador de cinema Steve Wilson.


Foto e currículo de início de carreira

Uma foto em branco e preto de De Niro, com uma aparência muito asseada, ao lado de um de seus primeiros currículos como ator, da época em que os papéis que ele fazia no cinema eram descritos como "amigo do protagonista".

Robert de Niro em um salão de ópio em cena do filme 'Era Uma Vez na América', de 1983, de Sergio Leone. - Reprodução

De Niro disse que se lembra de ter datilografado os currículos e, quando perguntei se existia a possibilidade de que ele, quem sabe, tivesse exagerado alguma coisa, ele respondeu que "pode ser que sim". "Talvez eu tenha dito que fiz uma peça de teatro ou tive um papel em uma peça de teatro quando só fiz uma cena."

Wilson disse que os currículos ajudaram os arquivistas a datar alguns dos itens do início de carreira do ator, como seu velho kit de maquiagem, que contém pincéis, tubos e bastões de cosméticos usados, que ajudavam De Niro a encarnar seus personagens durante seus primeiros anos como estudante, antes de ele começar a trabalhar no palco e em produções de teatro leve.

"A existência desses currículos é algo que realmente me interessou", disse Wilson. "Parece provável que ele tenha enfeitado um pouco seu currículo. Por exemplo, ele talvez tenha dito que fez parte do elenco de turnê de uma peça de teatro, quando o que sabemos é que ele na verdade fez uma cena da peça na escola de Stella Adler, ou algo assim."


O chapéu de "Caminhos Perigosos"

O chapéu, e o papel em "Caminhos Perigosos", marcaram o início de uma das colaborações mais duradouras e poderosas do cinema, entre De Niro e o diretor Martin Scorsese. Quando o ator usou o chapéu marrom em um teste para o papel de Johnny Boy, um arruaceiro local, Scorsese soube que De Niro era o cara certo, ele disse à revista New York alguns anos mais tarde.

Harvey Keitel, Roberto De Niro e David Proval em cena do filme 'Caminhos Perigosos', de Martin Scorcese - Divulgação

Na crítica de Vincent Canby sobre o filme para o The New York Times, em 1973, ele escreveu que "o olhar, a linguagem e as atuações são muito precisos, muito espontâneos, evocativos de uma maneira muito direta".

O desempenho de De Niro e o hoje emblemático chapéu ajudaram a criar o realismo visceral do filme, que continua a parecer bruto e direto quase cinco décadas mais tarde. "Eu usava aquele chapéu quando era moleque", me disse De Niro, quando perguntei de onde ele veio. "Gostava dele e pronto."

Quando chegou a hora da audição para Johnny Boy, disse o ator, ele sentiu que o chapéu se encaixava no personagem. "Ele vem guardando peças de guarda-roupa que usava para testes, como chapéus e óculos, há muito tempo", disse Wilson. "É como uma espécie de arsenal."


Licença de taxista de "Taxi Driver"

A fim de se preparar para seu papel em "Taxi Driver" como Travis Bickle, um veterano solitário e atormentado da guerra do Vietnã que se torna taxista em Nova York, De Niro passou pouco mais de uma semana dirigindo mesmo um táxi.

Isso veio logo depois de ele ter ganhado um Oscar por "O Poderoso Chefão 2", e um passageiro o reconheceu e comentou que as coisas deviam estar especialmente difíceis para os atores se um ganhador do Oscar precisava dirigir um táxi para ganhar a vida. A licença de taxista é outra peça da coleção que ilumina a dedicação de De Niro aos seus personagens, e o esforço que ele faz para incorporar completamente a vida de outra pessoa.

A exposição também inclui um dos roteiros anotados de De Niro para "Taxi Driver", aberto em uma página na qual Bickle se olha fixamente no espelho. O roteiro diz simplesmente que "os olhos deles parecem vidrados, introspectivos, ele não vê outra coisa além de si mesmo".

Logo abaixo disso, em tinta azul, De Niro escreveu "fazer alguma coisa olhando para o espelho, aqui". O que ele fez olhando para o espelho, claro, é a cena do "you talking to me?" É um momento improvisado que se tornou uma marca registrada de sua carreira.

Jovens na casa dos 20 anos ainda gritam a frase para De Niro quando o veem em público. Quanto à licença, assim que Wilson a viu pela primeira vez, ele "soube imediatamente que aquela tinha de ser a imagem que simboliza o arquivo". "É algo que revela o processo de trabalho dele e diz tudo que há a dizer. É um item maravilhoso."


Placa metálica de identificação militar de "O Franco Atirador"

"Não me lembro se a usei durante toda a produção; foi há muito tempo", disse De Niro sobre as placas de identificação que seu personagem, Mike, usava em "O Franco Atirador", filme de Michael Cimino, de 1978, sobre um grupo de amigos de uma cidade siderúrgica do estado americano da Pensilvânia cujas vidas portam cicatrizes permanentes das experiências deles no Vietnã.

Além das placas de identificação, o arquivo mostra o trabalho de preparação de De Niro, o que inclui registros médicos de veteranos do Vietnã, artigos sobre a "síndrome dos veteranos retornados", hoje conhecida como síndrome de estresse pós-traumático, e anotações detalhadas que ele fez sobre o dialeto da área específica da Pensilvânia de onde seu personagem se originava. (Um exemplo é que lá "esses" e "aqueles" são usados de forma intercambiável.)

"Acho que é aqui que o arquivo realmente começa", disse Wilson. "Há uma grande alta no volume de material de pesquisa que foi preservado, a partir de ‘O Franco Atirador’ e mais adiante. Em algum momento por volta de 1979 ou 1980, ele começou a levar realmente a sério a ideia de preservar as coisas."

Quando as chapas metálicas de identificação chegaram, Wilson reparou que elas estavam cobertas de plástico, como teriam sido na vida real, para evitar que o metal tilintasse e alertasse o inimigo quanto à posição do soldado.

Quando as placas de identificação chegaram a Austin, o plástico já estava amarelado e um líquido vazava dele; os arquivistas removeram o revestimento que estava se decompondo e depois o refizeram, para se manterem fiéis à forma original do objeto.


Roteiro anotado de "Touro Indomável"

Como a maioria dos roteiros da coleção, o rascunho de "Touro Indomável" de De Niro, datado de 1º de fevereiro de 1979 e revisado por "M.S. e R.D.N.", o diretor e o ator, está recoberto de notas manuscritas. O grosso volume está envolto por uma pasta de couro marrom.

Wilson disse que diversos dos roteiros "pareciam ter personalidade própria" e que havia anotações nos bolsos da pasta, incluindo um bilhete que Vikki LaMotta, mulher na vida real do personagem que ele interpretou, enviou para DeNiro.

O diretor Martin Scorsese e Robert De Niro nas filmagens de 'Touro Indomável', filme que retrata a história do ex-boxeador Jake LaMotta - Divulgação

O roteiro está exposto em uma caixa de vidro ao lado do esboço manuscrito de uma cena pelo roteirista Paul Schrader, na página de um bloco de anotações amarelo. Diversos roteiristas receberam crédito pelo filme, mas De Niro e Scorsese viajaram juntos por alguns dias para trabalhar em um rascunho final, antes do início da produção. De Niro disse que eles foram ao Caribe, porque "parecia ser um bom lugar para ir". "Trabalhamos no roteiro, tentando levar ao ponto ideal. Trabalhamos no personagem."

As anotações nas páginas do roteiro são difíceis de decifrar. Quando De Niro se afastou por um momento, ouvi a jovem filha dizer a Wilson que o pai tinha uma caligrafia horrível, tão ruim que ela achava que ele não usa o mesmo alfabeto que as outras pessoas.

Essa letra difícil de decifrar provavelmente não vai impedir que cinéfilos e pesquisadores viajem ao Ransom Center em seu esforço para decodificar a carreira de De Niro, sua técnica e os mistérios de seu processo de trabalho, anotação por anotação, peça de figurino por peça de figurino e rabisco em guardanapo por rabisco em guardanapo.

Tradução Paulo Migliacci

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