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Inéditas de Zécarlos Ribeiro, do grupo Rumo, brilham com Ná Ozzetti

Feitas de luz e curvas, músicas do compositor discreto encontram intérprete ideal que extrai o afeto de cada frase

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Ná Ozzetti canta Zécarlos Ribeiro

Avaliação:
  • Onde: Disponível nas plataformas digitais
  • Autor: Ná Ozzetti
  • Gravadora: Edição independente / Tratore

Olhares diametralmente opostos sobre a cidade de São Paulo marcam as obras de dois trabalhos centrais associados à chamada vanguarda paulista de música popular dos anos 1980.

Arrigo Barnabé mostrava, com o auxílio de dissonâncias e ruídos, o lado sinistro, noturno do centro da cidade, próximo do medo e da loucura, e revelador de camadas profundas da alma humana.

A cantora Ná Ozetti e o compositor Zécarlos Ribeiro - Divulgação

Já o grupo Rumo podia —como em "Ladeira da Memória", de Zécarlos Ribeiro— contemplar a beleza dos "reflexos dos edifícios e dos carros nas poças d’água", através de uma multidão de gente apressada que, dominada por uma chuva efêmera, passa de aborrecida a feliz em poucos minutos.

Um dos mais prolíficos e interessantes compositores do Rumo —e o mais discreto no palco entre os dez integrantes da banda— Ribeiro acaba de lançar o EP "Ná canta Zécarlos Ribeiro", com cinco novas canções.

Vários trabalhos foram traçados a partir dos rumos apontados pelo Rumo, de onde emergiram as carreiras solo da cantora Ná Ozzetti e do compositor Luiz Tatit, o Palavra Cantada (com Paulo Tatit, outro integrante) e, até mesmo a obra do fotógrafo (e baterista do Rumo) Gal Oppido.

Mas, apesar de haver uma gravação de Chico Buarque para "Ladeira da Memória", e de Zélia Duncan ter interpretado lindamente "Falta Alguma Coisa", faltava, de fato, um lançamento que ao mesmo tempo atualizasse e chamasse atenção para as peculiaridades das composições de Zécarlos Ribeiro, cuja obra havia permanecido, até aqui, totalmente ligada à história do Rumo.

De Noel Rosa a Steve Reich e Hermeto Pascoal, o interesse em harmoniz ar a entonação da fala —como um anúncio de estação de trem ou o pedido de café em um restaurante— tem atraído os compositores, e Zécarlos usa aqui o vendedor de sonho (o doce) no transporte público —"Sonho", parceria com Danilo Penteado).

Zécarlos é arquiteto, e sua música pode ser estática, feita de luz e curvas, ou do embate urbano —da visão do pedestre com jeito interiorano na cidade dos carros. Nem suas letras são literárias, nem sua música musical.

Gosta de clichês e trocadilhos, e por isso sua inspiração primeira é a Jovem Guarda, com seu humor, suas pausas entre as frases e o despojamento diante do cotidiano.

Capa do disco 'Ná Canta Zécarlos Ribeiro' - Divulgação

Tudo isso tem de ser irônico —e já o é nos melhores exemplos de Erasmo Carlos—, mas as aspas de Ribeiro ocorrem no sentido mais amplo da substituição sonoro-imagética, a saber, o da generosa acolhida às coisas mesmas, a uma quase literalidade que "estranhaliza" apenas minimamente objetos e sentimentos.

Em "Vamos Desembarcar" a livre associação leva dos pingos de água pingando à rua que vira um rio, um "rio negro" de lama, um "Rio de Janeiro", uma "avenida Brasil" de águas em que naufragamos sem "um pingo de vergonha".

A arte de Zécarlos nunca força a música a ser coerente, e isso certamente pode incomodar os músicos: a melodia emperra, demora a engatar, desiste de si rapidamente, não anda, e por isso mesmo é inesperada, até quando, em alguns momentos, encontra caminhos, como em "Laura", que segue as trilhas da infância passada em Minas.

Já "Roupas no Varal" (uma das duas parcerias com o colega de Rumo, Geraldo Leite; a outra é "Uma Receita de Amar"), o movimento lento da dança das roupas secando no sol a pino dá o tempo exato da solidão, a qual pode ser precursora —quem sabe?— de um encontro noturno.

Ao contrário de Luiz Tatit, cantor-violonista divertido e carismático, Ribeiro é o compositor-criador que permanece nos bastidores, daí a importância de ter a seu lado, mais uma vez, a inteligência vocal de Ná Ozzetti.

A voz de Ná permanece impecável, e ganhou novas cores —belos graves— com o passar do tempo: a interpretação de "Sonho" já valeria em si um prêmio.

Ela sobra vocalmente, mas não só: a capacidade de extrair o afeto exato de cada frase, palavra ou mesmo sílaba, sem nenhuma afetação, sem chamar para si os holofotes, é tudo o que um compositor precisa.

Tal como o personagem que vende sonhos no trem, as canções de Zécarlos Ribeiro, em sua aparente inocência, são, também, "pra você que não me encara fingindo que não me vê".

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