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Kenzaburo Oe devotou sua literatura nobelizada à paz e ao humanismo

Escritor, que morreu este mês, costurou tragédias íntimas e sociais do Japão em enfrentamento direto à violência

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Andrei Cunha

Professor de literatura japonesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Porto Alegre

Kenzaburo Oe, Nobel de Literatura que teve a morte divulgada nesta segunda-feira, produziu seus primeiros ensaios e poemas quando estava no ensino médio. Ainda como estudante universitário no Japão, escreveu algumas peças teatrais e, em 1957, começou a publicar contos.

O escritor japonês Kenzaburo Oe em 1995, um ano depois de vencer o prêmio Nobel de Literatura - AFP

O primeiro deles, "Tarefa Insólita", ganhou elogios da crítica e, no ano seguinte, o conto "Animal de Cria" ganhou o prêmio Akutagawa, o mais importante de seu país.

Nessas narrativas iniciais, já encontramos o autor partindo de suas experiências de infância durante a Guerra do Pacífico para discutir questões como a alienação e a vida em uma sociedade ultranacionalista.

Em 1958, lançou seu primeiro livro de contos —publicado no Brasil em 1995 com o título "Contos de Oe Kenzaburo"— e seu primeiro romance, "Me Mushiri ko Uchi", ou arranquem os brotos e atirem nas crianças, inédito no Brasil. Este último narra o que acontece a um grupo de meninos que foge de um reformatório e vai parar em um vilarejo isolado.

Em 1963, seu filho Hikari recebeu o diagnóstico de uma hérnia cerebral ao nascer. Uma cirurgia era necessária e, mesmo que o bebê fosse salvo, sofreria graves sequelas. Incapaz de se decidir, Oe partiu para Hiroshima, com o intento de fazer uma reportagem sobre os grandes protestos internacionais pelo fim das armas nucleares.

O livro resultante, "Hiroshima Nôto", ou notas de Hiroshima, faz uma reflexão sobre o significado histórico e humano da tragédia, a partir dos relatos dos sobreviventes.

Ao retornar a Tóquio, ele e a mulher optaram pela cirurgia e se comprometeram a cuidar de Hikari. Em 1964, publicou "Aghwii, O Monstro Celeste", incluído na coletânea "14 Contos de Kenzaburo Oe", e o romance "Uma Questão Pessoal".

Este último se opõe a "Notas de Hiroshima", uma questão social. É a história de Bird, um professor de inglês cujo filho nasce com uma hérnia cerebral. A jornada da personagem dialoga com temas do existencialismo e a obra de Jean-Paul Sartre —assunto da tese de Oe na faculdade de letras da Universidade de Tóquio.

Ao longo dos anos 1970, o autor continuou ativo em diversos gêneros, com destaque para "Notas de Okinawa", com ensaios sobre a situação da ilha japonesa no pós-Guerra e a sua ocupação pelas forças militares dos Estados Unidos, assim como para o romance "Dôjidai Geemu", ou o jogo da contemporaneidade.

No ano de 1983, lançou o livro "Jovens de um Novo Tempo, Despertai!", com sete narrativas. O Nobel de Literatura viria em 1994, o segundo para um escritor japonês, depois de Yasunari Kawabata.

Ao receber o prêmio, seu discurso "O Japão Ambíguo e Eu" era uma clara crítica ao discurso de 1968 de Kawabata, "O Belo Japão e Eu". Já nos anos 2000, publicou o romance "A Substituição ou As Regras do Tagame", o primeiro de uma série centrada no personagem Kogito Choko, um alter ego de Oe, seguido de "Adeus, Meu Livro!", que acaba de sair no Brasil, e de "Morte na Água".

Sua obra de maturidade demonstra o domínio da técnica, fazendo uso de uma cornucópia de referências à literatura do mundo, de "Dom Quixote" a William Blake, abarcando a poesia e as narrativas clássicas de seu país.

Há um esforço para dar significado a grandes questões sociais e pessoais —uma das quais, o suposto suicídio de seu cunhado, o cineasta Itami Juzo, ainda é causa de polêmica na sociedade japonesa.

Muitos japoneses da geração de Oe se tornaram pacifistas e se declaram contra o uso de materiais radioativos. Para grande preocupação do autor, no entanto, as gerações nascidas após o milagre japonês não pareciam tão investidas no ideal antimilitarista.

A trajetória de Oe é muitas vezes apresentada em contraste com a de seu conterrâneo, o escritor de extrema direita Yukio Mishima, que nutria convicções políticas diametralmente opostas às suas.

Se Mishima revela o mais profundo niilismo e conservadorismo —ao contrário de Oe, um humanista que devotou a vida à causa da paz—, os dois japoneses têm em comum uma visão romântica e rebelde frente à violência da vida.

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