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Conflito entre China e EUA não se resume simplesmente a uma questão comercial

Presença do Exército da Libertação do Povo nas empresas do país asiático indica que faz sentido americanos tratarem 5G como segurança nacional

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Roberto Dumas Damas

Temos defendido –e não é de hoje– que o conflito comercial que se observa entre China e Estados Unidos é um tema que, pela sua complexidade e fatores envolvidos, não será resolvido numa simples canetada, venha ela de Washington ou de Pequim. 

O furo, como se diz popularmente, é bem mais embaixo. E a crise deve se estender por ainda muitos meses. 

Comecemos por uma questão "doméstica" chinesa. Nos últimos meses a província de Hong Kong vem sendo sacudida por violentos protestos de rua que reivindicam uma democracia que não virá.

A polícia local, demonstrando que perde forças no enfrentamento da crise, já utiliza armas de fogo na repressão. A situação já é monitorada pelo ELP (Exército de Libertação do Povo). 

Aqui vale um flash em relação ao massacre da Paz Celestial, ocorrido em 1989, há exatos 30 anos: a demanda popular era exatamente a mesma naqueles dias, e o Exército local não hesitou em usar força extrema para acabar com as manifestações de rua. 

Depois daquele evento, a China se fechou para o mundo e começou a escalada para se tornar uma potência econômica sem alarde. 

Trazendo para os dias de hoje, o ELP monitora a ação dos manifestantes em Hong Kong, mas desta vez a ação promete ser pontual com o uso do que no jargão de segurança se chama "inteligência". Ou seja, as autoridades acreditam que, afogando inicialmente as lideranças dos movimentos de rua, eles podem ser extintos. 

O fato de o Exército de Libertação do Povo já estar atuando no monitoramento dos protestos nos traz dois sinais.

Primeiro, o ELP já está em Hong Kong. Entra e sai da província com absoluta naturalidade, algo até então insuspeito para os teimosos manifestantes.

Segundo, se nem a inteligência der jeito na crise, a possibilidade de um outro grande massacre tal qual o de 1989 aparecer no horizonte passa a ser muito real. E será transmitido para o mundo via redes sociais. Isso se elas não forem bloqueadas antes disso.

Passemos ao campo econômico. Se assumirmos um cenário provável de guerra longínqua entre China e EUA, como esse cenário sombrio afetaria toda a cadeia de suprimentos no mundo?

Devo eu, como empresário ou presidente-executivo norte-americano, investir agora ou esperar que o cenário geopolítico e macroeconômico ao menos me permita delinear um plano de negócios com probabilidades, e não incertezas absolutas? 

Prova dessa suposição, nota-se a queda de investimentos não residenciais nos EUA nos dois primeiros trimestres do corrente ano.

Vale destacar que 28 empresas chinesas sofreram sanções pelos Estados Unidos. Chamam a atenção a Megvii e a Sense Time Group –que detêm tecnologias de IA (inteligência artificial) e reconhecimento facial e de voz. 

Tais empresas estão terminantemente proibidas de comprar insumos nos EUA sob a alegação de Donald Trump de que o gigante asiático desrespeita as minorias étnicas de Xinjiang (uigures).

O xadrez é tão complexo que afeta inclusive a geração de conectividade móvel da tecnologia 5G. União Europeia, Austrália, Estados Unidos e Japão querem banir a tecnologia 5G oriunda da China (via especificamente das empresas Huawei e ZTE). 

O temor é que a empresa chinesa atue como um "cavalo de Troia" para roubar dados, propriedade intelectual e segurança nacional. Nos EUA, a preocupação é tamanha que o Pentágono proibiu equipamentos da Huawei.

Vale pontuar como se dão as escalas de serviços de telefonia celular, para entender melhor esse conflito:

1G - serviços de voz;
2G - texting (SMS) e correio de voz;
3G - conectividade com a internet, GPS em tempo real e compartilhamento de imagens;
4G - tecnologia disruptiva com a chegada do streaming (Netflix, Spotfy);
5G - melhor e mais rápida conexão especialmente em espaços aglomerados. Menor latência --que é o tempo em que o usuário envia o comando, bate na rede e volta para sua página. 

Hoje o tempo de latência é de 20 milésimos de segundos, com 5G cairá para 10 ou até 1 milésimo de segundo. Essa tecnologia é vital para a transferência de dados e imagens e o tempo de tomada de decisão de um médico em uma cirurgia robótica, por exemplo.

Vale assinalar ainda que o governo de Pequim já colocou o bloco na rua divulgando um audacioso projeto denominado Made in China 2025, lançado por Xi Jinping. 

O principal objetivo dessa iniciativa é transformar a indústria manufatureira do gigante asiático China e tornar o país em uma superpotência tecnologia (IA etc). 

O algoz da vez, novamente, é o presidente dos EUA, Donald Trump, que quer brecar a ofensiva seja por razões econômicas (protecionismo), seja por fatores que envolvem a segurança nacional. 

Entenda-se em relação ao item segurança nacional que é fato que há presença do Exército de Libertação do Povo em várias empresas chinesas (algo costurado em 1991 por Deng Xiaoping, então no comando do país).

A Huawei, gigante da tecnologia chinesa, por essa ótica, teria capacidade para roubar informações estratégicas –daí o veto do Pentágono.

Assim, o conflito China versus Estados Unidos não se resume simplesmente a uma questão comercial ou econômica. Há muitos fios desencapados que poderão prolongar a crise e dar a ela até desfechos dramáticos, como referimos.

Roberto Dumas Damas é professor de economia do Insper, mestre em economia pela Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e mestre em economia pela Universidade Fudan, na China
 

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