Siga a folha

Descrição de chapéu União Europeia

Sobrinha de Marine Le Pen sugere apoio a Zemmour e racha ultradireita na França

Sem mandato, Marion Maréchal expõe divisão no campo político que desafia Macron e tenta se cacifar como futura candidata

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Paloma Varón
Paris

Psicodrama, traição, golpe. Esses foram alguns dos termos usados na França para se referir ao possível apoio de Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen, ao jornalista Eric Zemmour na eleição presidencial marcada para o próximo dia 10 de abril.

Num país que desde 2017 se divide majoritariamente entre o centrismo de Emmanuel Macron e a direita radical, representada naquele pleito por Le Pen, a declaração da ex-deputada gerou estrépito neste campo.

Especialmente porque em 2022 a própria ultradireita se dividiu, com a entrada em cena do polemista conhecido por evocar a teoria xenófoba da chamada "Grande Substituição", segundo a qual franceses nativos estariam sendo substituídos por migrantes muçulmanos e da África negra —ele já foi condenado por incitar o ódio contra esse grupo.

A líder da Reunião Nacional, Marine Le Pen, ao lado da sobrinha, Marion Maréchal, em evento em 2016 - Eric Gaillard - 15.out.2016/Reuters

Dias atrás, Marion disse a jornalistas que pode pender para o lado de Zemmour e prometeu se posicionar de forma definitiva no final deste mês, quando a campanha começa a tomar forma, depois das férias de inverno —Macron tem até 4 de março para se declarar candidato.

Os últimos levantamentos indicam uma leve vantagem da líder da Reunião Nacional (RN) por uma vaga no segundo turno contra o atual presidente. Pesquisa Ifop para a revista Paris Match publicada nesta quinta (3) mostrou Macron na liderança com 25% das intenções de voto e, atrás dele, Marine Le Pen (18%), a candidata de centro-direita Valérie Pécresse (Republicanos, 15,5%) e Zemmour (14%).

A tia disse que não ter o apoio da sobrinha seria "um golpe brutal e violento", e o patriarca Jean-Marie tentou acalmar os ânimos de ambas no Twitter, dizendo que gostaria de encontrar filha e neta nos próximos dias, para depois dar sua opinião sobre a eleição. Zemmour, enquanto isso, reagiu com certa alegria. "Marion Maréchal é uma velha amiga, uma mulher formidável", afirmou, no estúdio da TV France 2. Para ele, a jovem herdeira do clã Le Pen não é adepta da perfídia: "Não é traição, é política".

O analista político e diretor do programa Ipsos Flair, do instituto de pesquisas Ipsos, Yves Bardon, tende a concordar. "Não vejo traição, mas divergências extremamente fortes de Marion com a tia e a linha ideológica da Reunião Nacional", diz. "Posições bastante opostas sobre coisas como aborto, casamento homossexual, União Europeia, economia."

Para ele, um eventual apoio da ex-deputada a Zemmour seria coerente com sua trajetória. "Uma traição seria como uma facada nas costas, que a pegasse desprevenida. Nesse caso, há uma quantidade enorme de divergências que se acumularam e se juntam a feridas emocionais —a tia já disse, por exemplo, que ela era muito inexperiente para ser ministra, que não lhe devia favores."

Bardon lembra ainda que Marine Le Pen passou os últimos anos num processo para "desdiabolizar" seu partido —que incluiu a mudança de nome, de Frente Nacional para Reunião Nacional—, promovendo certa modernização de suas posições e tentando afastar pechas como a de antissemitismo. Enquanto isso, Marion Maréchal se manteve fiel aos valores da ultradireita tradicional, os quais Zemmour procura reavivar.

Nascida em dezembro de 1989, Marion é neta do fundador da FN, Jean-Marie Le Pen. Criada e educada na primeira infância pela mãe e pela tia, Marine, ela depois foi adotada pelo padrasto, de quem herdou o sobrenome atual. Em 2008, entrou na política e, quatro anos depois, aos 22, tornou-se a mais jovem deputada francesa, com a maior porcentagem de votos do partido do avô.

Ao fim do mandato, enquanto a tia chegava ao segundo turno da eleição presidencial contra Macron, a ultraconservadora declarou que deixaria a vida política. O pleito de 2022, portanto, está sendo influenciado agora por uma jovem sem mandato e sem pretensão eleitoral —ao menos por ora.

Questionado sobre se o provável apoio a Zemmour, para onde já bandearam outros quadros da RN, seria uma estratégia para sair ela mesma vencedora de uma eleição presidencial futura unindo seu campo político, Bardon acha que Marion não vai nem esperar e se candidatará às legislativas neste ano mesmo.

E completa: em cinco anos, aos 37, poderá, sim, se transformar no rosto da direita radical. "Ela se alinha a essa direita quase maurrassiana [referência ao poeta Charles Maurras, um antissemita virulento], contrarrevolucionária", afirma. "Diz que não podemos reduzir a França à República, quando para todo mundo, principalmente para seus adversários, a França é a República."

Professor e pesquisador da Sciences Po de Grenoble, Florent Gougou classifica Marion Maréchal como alguém ilegível, mas a vê se alinhando à parte da direita que não considera Marine Le Pen uma candidata com chances reais de vitória.

"A tensão na RN vem de 2017, quando Le Pen, no segundo turno, foi incapaz de ultrapassar um nível que a permitisse ser competitiva diante de Macron." Ela perdeu a eleição com 34% dos votos, contra 66% do atual presidente. "Esse diagnóstico, que é o que alavancou a campanha de Zemmour, é compartilhado por boa parte da direita radical", analisa Gougou.

Ela teria, em compensação, seus militantes e o aparelho político de seu partido, mais robustos que os da recém-criada Reconquista, legenda de Zemmour. "Mas ele, com sua estratégia provocativa, tem instalado questões de identidade e imigração no coração da vida política francesa", diz. "Os partidos de direita radical têm controlado a agenda da eleição, fazendo com que todo mundo tenha de se posicionar sobre isso —incluindo o candidato comunista Fabien Roussel, que fala de vinho e do estilo de vida francês."

Outra coisa que opõe Zemmour e Le Pen é a relação com líderes estrangeiros de seu campo político —à exceção do húngaro Viktor Orbán, elogiado por ambos. A candidata da RN diz não se identificar com os métodos de Jair Bolsonaro (PL), enquanto o jornalista já foi comparado pela mídia francesa a Donald Trump e ao brasileiro.

"Mesmo que os perfis de Zemmour e Bolsonaro sejam diferentes, eles têm semelhanças no discurso de ódio, muito radical, que tem como objetivo dividir a sociedade", diz o professor da Sciences Po Paris Gaspard Estrada. "Le Pen refuta as comparações com Bolsonaro porque, no exterior, há uma unanimidade contra ele, particularmente na França. Qualquer aproximação com o presidente brasileiro seria negativa para sua campanha."

Não só ela evita o contato como critica Bolsonaro em diversas ocasiões, lembra Estrada. "O que não é o caso do Zemmour, que inclusive deu uma entrevista à Folha no final do ano passado sinalizando certa proximidade com o chefe de Estado brasileiro."

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas