Descrição de chapéu União Europeia

Multiculturalismo teria levado à divisão do Brasil, diz Zemmour

Apontado como presidenciável, estrela em ascensão da direita francesa critica islã e pede mudança na UE

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São Paulo

Estrela em ascensão na política francesa, o polemista de direita Eric Zemmour, 63, afirma, em entrevista à Folha, que o multiculturalismo é nocivo e que a própria existência do Brasil é uma prova disso.

"Você imagina o que teria sido um Brasil multicultural, onde cada um falasse sua própria língua e não existisse a noção do bem comum? Teria sido dividido em muitas microrrepúblicas, como outros países da América Latina", diz ele, em respostas enviadas por escrito.

O polemista de direita Eric Zemmour durante evento de promoção de seu livro no sudoeste da França
O polemista de direita Eric Zemmour durante evento de promoção de seu livro no sudoeste da França - Christophe Simon - 16.out.21/AFP

Jornalista e escritor, Zemmour tem atingido picos de popularidade com suas críticas à imigração e à influência islâmica na França, temas de seu recente best-seller "La France N'A Pas Dit son Dernier Mot" (a França não disse sua última palavra, ainda sem edição no Brasil). Tamanha visibilidade faz com que ele venha sendo mencionado como possível candidato da direita radical na eleição presidencial no ano que vem.

Na semana passada, pesquisa do jornal Le Monde o colocou em segundo lugar, com 16%, empatado com a líder tradicional da ultradireita francesa, Marine Le Pen. Em primeiro lugar está o presidente Emmanuel Macron, com uma faixa de 24% a 28%. Na entrevista, Zemmour diz que ainda não decidiu se vai concorrer.

Ele rejeita ainda uma possível versão francesa do brexit, mas porque diz crer que o foco francês deveria se concentrar na "luta prioritária" contra a imigração. Também se mostra simpático a que leis nacionais se sobreponham às do bloco em algumas situações, como tem defendido o governo conservador da Polônia.

Chamado frequentemente de "Trump francês", ele elogia políticas do ex-presidente americano, mas rejeita a comparação. "Não sou adepto de seu estilo. Eu prefiro os livros; ele certamente prefere a TV."

Quanto a Jair Bolsonaro, evita dizer se é um aliado natural. Afirma apenas que, "se a esquerda [no Brasil] não tivesse saqueado a Petrobras, Bolsonaro jamais teria sido eleito".

Por que o sr. diz que o multiculturalismo representa uma ameaça à França? O Brasil foi formado com base no princípio da unidade e da assimilação. A civilização portuguesa, devidamente tropicalizada, obrigou os imigrantes de todas as origens a se unir a ela para formar esse país e esse povo magníficos que o mundo admira. Você imagina o que teria sido um Brasil multicultural, onde cada um falasse sua própria língua e não existisse a noção do bem comum? Teria sido dividido em muitas microrrepúblicas, como outros países da América Latina.

Não quero que meu país se desintegre em uma infinidade de repúblicas comunitárias, formadas em torno de guetos cuja única razão de ser é defender uma "identidade" belicosa e cheia de ódio. O multiculturalismo é o inverso das tradições francesas. A França é uma república que assimila e que supõe que, seja de onde for que alguém venha, pode tornar-se um francês como qualquer outro.

O islamismo tem lugar na França? O islã é incompatível com a República francesa. Contrariamente ao que se pensa, o islã não é apenas uma religião, mas também um código civil, a sharia, além de uma nação, a ummat al-islam, ou seja, a comunidade dos fiéis, e uma civilização.

A sharia é a desigualdade entre homens e mulheres que autoriza o apedrejamento da esposa quando ela trai seu marido, como é o caso sob o Talibã no Afeganistão. No islã, não se pode caricaturar o profeta [Maomé]. Na França você pode caricaturar qualquer pessoa. Quero que possamos continuar a fazê-lo sem correr o risco de sermos degolados, como o infeliz Samuel Paty [professor morto em 2020 após mostrar caricatura de Maomé em sala de aula].

A França pode sem dúvida admitir a prática do islã como religião ou espiritualidade, mas não pode aceitar um conjunto de leis islâmicas que venham competir com sua própria legislação. Tampouco pode aceitar a constituição de uma nação islâmica que conviveria com a comunidade nacional. O islã como exercício de uma religião, sim; o islã como código civil ou como nação, não!

Qual é sua opinião sobre a presença da França na União Europeia? Não creio que a saída da França da União Europeia seja a solução. A gestão de um brexit desviaria nossa atenção de nossa prioridade imediata e vital, que é a luta contra a imigração. Mas a UE limita nossa capacidade de agir nas questões migratória, econômica e diplomática. As instituições europeias não permitem que os povos façam suas próprias escolhas, como Polônia e Hungria na questão da organização constitucional ou dos direitos das minorias.

O que eu proponho é retomarmos imediatamente o controle das nossas leis referentes a questões de interesse vital, como a imigração e o renascimento de nossa indústria. As leis francesas devem ter primazia sobre o direito europeu. No campo diplomático, os países europeus não têm nem os mesmos interesses nem a mesma visão de mundo: a França tem vocação mundial, contrariamente à Alemanha ou a outros países. Sendo assim, querer que a UE tenha uma política externa e de defesa comum não passa de uma ilusão.

Alguns o chamam de Trump francês. O que o sr. pensa dessa comparação? Donald Trump conseguiu unir as classes populares e a burguesia patriota. Essa estratégia é correta. Reconheço também que ele teve boas intuições políticas (sobre a globalização, a China, a imigração) e que cumpriu seus compromissos em seu mandato, em que pese haver desagradado à visão ortodoxa.

Isso dito, não sou adepto de seu estilo e sou muito diferente de Trump: não venho de reality shows e atuo na vida política de meu país há mais de 30 anos. Eu prefiro os livros; ele certamente prefere a TV. Sou um homem de ideias e ele é um homem de negócios. Não é a mesma coisa.

Como responde aos que o descrevem como um extremista que incita ao ódio racial, sobretudo contra os árabes? No mundo de hoje todos os que dizem a verdade são tachados de loucos. Todos os que defendem o bem comum são acusados de extremismo. Sou apaixonado pela França, sua civilização e seus valores, que se resumem a liberdade, igualdade e fraternidade. Esses valores são extremistas? Penso que não.

Quando a França era forte, o mundo inteiro nos invejava por esses valores. O próprio Brasil se inspirou neles no século 19, por meio do movimento positivista. Muitos imóveis de luxo no Brasil ostentam um nome francês, segundo me foi dito. Desejo para os árabes da França o mesmo destino que tiveram os sírios e os libaneses que se assimilaram admiravelmente à civilização de seu belo país [Brasil]. Os árabes do Brasil são autênticos brasileiros. Gostaria que os árabes da França se tornassem autênticos franceses.

Como jornalista, o sr. defende limites à liberdade de expressão nas redes sociais? Fico chocado ao ver quantos jornalistas, na França e no Brasil, defendem a censura! Que inversão de valores! Acredito na democracia e na liberdade de expressão. É claro que não se pode dizer qualquer coisa –as leis referentes a insulto, calúnia e difamação existem para isso. No fundo, o que está em jogo hoje é a interdição de toda diversidade de opiniões e ideias. Sou a favor da verdadeira diversidade: a diversidade dos pontos de vista e das sensibilidades.

O sr. será candidato na eleição presidencial? E qual é a sua opinião sobre o presidente Macron? Não sou candidato. Eu observo e reflito. Tomarei minha decisão na hora certa. Macron é prisioneiro de seus dogmas: o europeísmo e o globalismo. Ele está alinhado à casta política que há 30 anos luta para destruir a França. Eleito para reformar o país e convertê-lo em uma "nação start-up", acabou não fazendo nada e provocou a ira de meus compatriotas, revelada na crise dos coletes amarelos.

A França, que no passado era vista como um reduto de paz, onde se vivia bem, converteu-se num lugar violento onde se decapitam professores e onde as mulheres têm medo de sair à noite.

O que o sr. pensa da tentativa de Marine Le Pen de se posicionar como uma voz mais moderada no campo da direita? Não tenho nada contra Marine Le Pen. Eu a acho corajosa, valente. O problema é que ela não consegue ganhar. Todos que a cercam têm consciência disso, e estou convencido de que ela própria sabe disso. Sobretudo, Emmanuel Macron sabe disso, e é exatamente por isso que ele tanto sonha em reproduzir um duelo que não teria como perder.

E o que pensa do movimento dos coletes amarelos? Qual é a mensagem deles à classe política francesa? Os coletes amarelos expressaram o sofrimento das classes populares e médias, confrontadas com o espectro da precarização. É preciso imaginar a vida de um francês obrigado a sair da periferia parisiense devido à imigração, que se vê longe dos centros das cidades e dos serviços públicos, que precisa usar seu carro para se locomover e descobre que o governo aumentou o imposto sobre o combustível. Some-se a isso o fato de ele também ter que pagar pelos auxílios de solidariedade que são distribuídos sem controle, inclusive a estrangeiros. É uma situação inaceitável.

O Brasil assiste a um retorno dos militares à política. Também na França os militares estão mais presentes no debate. O sr. crê que os militares têm um lugar a ocupar em um governo? Se a esquerda [do Brasil] não tivesse saqueado a Petrobras, se Dilma [Rousseff] tivesse combatido a insegurança terrível da qual sofrem os brasileiros, [Jair] Bolsonaro jamais teria sido eleito e jamais poderia ter reinstalado oficiais militares no governo federal. O retorno dos militares é culpa da esquerda.

Na França, alguns oficiais escreveram uma carta aberta a Macron sobre a degradação da situação interna do país. Se Macron tivesse feito seu trabalho, teriam permanecido em silêncio. Tirando isso, os militares não estão presentes na vida pública. Dizem que o Exército francês é "o grande mudo", e a meu ver ele deve continuar assim.

O sr. considera Bolsonaro um aliado ideológico? Não cabe a mim avaliar um chefe de Estado estrangeiro. O presidente brasileiro foi eleito por seu povo da maneira mais democrática possível. O presidente francês deve trabalhar com todos seus colegas, sem exceção.


Raio-x

Eric Zemmour, 63
Nascido em Montreuil, na França, é graduado em ciência política pela Sciences Po. Trabalhou como jornalista no Le Quotidien de Paris (1986-96) e desde então colabora com o Le Figaro. É, ainda, autor de diversos livros, entre biografias, ensaios e obras de ficção; seu último trabalho é "La France N'A Pas Dit son Dernier Mot" (a França não disse sua última palavra)

Tradução de Clara Allain

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