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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Rússia anuncia maior anexação na Europa desde a Segunda Guerra

Putin assinará absorção de 15% da Ucrânia na sexta, colocando Otan num 'momento 1938'

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São Paulo

O Kremlin confirmou que o presidente Vladimir Putin assinará nesta sexta-feira (30) a anexação de quatro regiões que ocupa parcialmente na Ucrânia, equivalentes a cerca de 18% do território do vizinho invadido há sete meses.

A cerimônia ocorrerá em Moscou às 15h (9h em Brasília), e a praça Vermelha já está guarnecida de telões e faixas alusivas ao evento. Trata-se da maior absorção de território por força na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, e a primeira no continente desde que a Turquia invadiu o norte do Chipre em 1974.

Moradora de Izium, cidade de Kharkiv que foi retomada pelos ucranianos, passa por prédio destruído - Serguei Bobok - 28.set.2022/AFP

Serão incorporados à Rússia, após referendos organizados de forma emergencial pelas autoridades de ocupação, as duas autoproclamadas repúblicas do Donbass, no leste, e as províncias de Zaporíjia e Kherson (sul ucraniano). É uma área do tamanho de Portugal ou Santa Catarina.

Nesta quinta (29), numa espécie de etapa intermediária que antecede a formalidade, Putin assinou decretos reconhecendo como independentes as duas últimas áreas —a exemplo do que fizera com Donetsk e Lugansk dias antes da invasão.

Assim como na anexação pacífica da Crimeia em 2014, quando o russo mutilou o vizinho e estimulou a guerra civil no Donbass para evitar que o governo que derrubou seu aliado da Presidência em Kiev se unisse às estruturas ocidentais, não haverá reconhecimento internacional salvo o de alguns poucos aliados laterais de Moscou (seis países e quatro encraves autônomos russos).

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou que não irá cessar os combates até reaver todo seu território e convocou uma reunião de emergência de seu governo para a sexta. Foi apoiado pelos EUA e seus aliados na Otan (aliança militar ocidental). Novas sanções contra a Rússia estão sendo preparadas.

Do lado de Putin, ainda que sem reconhecer algo que a ONU não aprovará, está principalmente a China —uma grande porção do mundo, Índia e Brasil inclusos, condenam a guerra mas não apoiam o isolamento de Moscou para continuar a fazer negócios com os russos.

A anexação e a mobilização de pelo menos 300 mil reservistas, recebida com grande revolta na Rússia, constituem a mais aguda guinada de Putin na guerra. Nesta quinta (30), ante relatos e críticas mesmo de aliados de erros no processo, o presidente prometeu correções pontuais, para que não ocorram no futuro. "Penso em pais de muitos filhos, pessoas com doenças crônicas ou que passaram da idade de conscrição", afirmou.

Na véspera, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, anunciou uma meta mínima para a Rússia pela primeira vez: completar a conquista de Donetsk, que tem cerca de 40% de território ainda em mãos de Kiev.

Isso explicita tanto um mapa para o fim do conflito como os problemas de Putin: o fracasso em derrubar Zelenski com um golpe decapitador de regime no começo da guerra e as perdas de áreas ocupadas em Kharkiv (nordeste) no começo deste mês, muito por falta de tropa suficiente.

Agora, o presidente russo está anexando áreas que não estão totalmente sob seu controle, principalmente em Donetsk —as outras estão quase todas sob jugo de suas forças. A esperança de Moscou é criar um fato consumado, como na Crimeia, que também não tem reconhecimento da ONU mas é tratada como a área histórica russa que sempre foi.

É mais difícil. Enquanto no Donbass os separatistas pró-Rússia já controlavam boa parte da região desde 2014, no sul o que houve foi uma conquista "manu militari" que a Europa não via desde os anos 1930 e 1940 nessa escala. São áreas russófonas, mas muito mais heterogêneas do ponto de vista linguístico do que a Crimeia e o extremo leste do Donbass.

Seja como for, Putin prosseguiu, seja para achar um fim para sua guerra, seja para prolongá-la indefinidamente com o novo status e os reforços que lentamente chegarão de sua impopular mobilização. Os combates seguem em pontos diversos da frente de 1.000 km entre os países, e Zelenski disse que haveria uma "resposta dura" à anexação.

Com o que os nacionalistas chamavam de Nova Rússia estabelecida, ligando o Donbass à Crimeia por terra, o presidente agora usa seu poderio nuclear para ameaçar o Ocidente e Kiev: pela doutrina de Moscou, qualquer ataque, mesmo convencional, que for percebido como risco existencial para o Estado pode ser respondido com fogo atômico.

Enquanto muitos analistas veem nisso um blefe, é crescente a ideia de que Putin poderia empregar um artefato tático, de baixa potência, como alerta. Isso teria consequências imprevisíveis, dado o risco de escalada.

'Momento 1938'

Na prática, Putin pode ter criado um "momento 1938" para a Otan. Naquele ano, Adolf Hitler exigiu a anexação de áreas alemãs étnicas da então Tchecoslováquia, os Sudetos, sugerindo que pararia sua expansão ali. A Europa aquiesceu e evitou a guerra, mas o ditador nazista não parou, levando ao conflito mundial no ano seguinte.

Obviamente, Putin não é Hitler e o contexto mundial é outro: uma guerra com a Otan destruiria a Rússia e o mundo como conhecemos, para começar. Mas uma eventual proposta do Kremlin de congelar o conflito após ter comido 22% do vizinho, contando aí a Crimeia, colocaria um dilema moral não muito diferente na mesa.

As anexações, afinal, inviabilizam a Ucrânia como Estado, presumido objetivo inicial de Putin, que não queria ver a Otan e a União Europeia em sua maior fronteira. É possível argumentar que ele conseguiu isso indiretamente, com o Ocidente armando Kiev e diretamente com a entrada da Finlândia no clube militar.

De fato, contudo, a integração ucraniana com o arcabouço ocidental fica travada. Os blocos europeus são refratários a membros com questões territoriais.

Também nesta sexta, Putin fez considerações sobre a guerra, atribuindo o conflito à dissolução da União Soviética em 1991. Ele já havia dito anteriormente que o fato havia sido a "maior catástrofe geopolítica do século 20" porque do dia para a noite milhões de russos se viram fora das fronteiras de seu país, morando nas recém-independentes repúblicas que compunham o império comunista.

"Basta ver o que se passa neste momento entre Rússia e Ucrânia, o que se passa nas fronteiras de alguns países da Comunidade de Estados Independentes. Tudo isso é resultado da queda da União Soviética", afirmou em reunião com integrantes do grupo, que reúne ex-repúblicas soviéticas. Ele se referia também às disputas entre Armênia e Azerbaijão, que renderam uma guerra em 2020, e entre Tadjiquistão e Quirguistão.

O russo usa em seu favor não só a pressão nuclear, mas principalmente a energética. A chegada do inverno europeu está acompanhada da redução do fornecimento de gás russo para o continente, uma aposta no desgaste dos governos ante suas populações, afetadas pela inflação em alta e eventuais racionamentos. Isso pode, nas contas russas, enfraquecer o apoio a Kiev.

Na Rússia, a mobilização segue com incidentes diários, mas menos protestos do que há uma semana, quando foi anunciada. Nesta quinta (29), o governo da Finlândia anunciou o fechamento da última fronteira da União Europeia aberta a russos, dizendo que os 17 mil vizinhos que entraram em seu território para fugir do alistamento são um risco de segurança.

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