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Rússia avalia proposta de paz de Lula para Guerra da Ucrânia, mas sem recuar em condições

Chanceler brasileiro diz que proposta é inicial e espera conversas; Zelenski cobra a China

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São Paulo

O governo da Rússia está analisando a proposta feita pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a criação de um grupo de países não envolvidos na Guerra da Ucrânia para tentar mediar uma saída pacífica para o conflito que completa um ano nesta sexta (24).

A informação foi dada pelo vice-chanceler Mikhail Galuzin à agência estatal russa Tass nesta quinta. Ele fez ressalvas à viabilidade da ideia, dizendo ser necessário levar em consideração a evolução do conflito.

"Para o Ocidente e Kiev se sentarem à mesa de negociações, eles devem primeiro parar de bombardear as cidades russas e abaixar as armas", destacou Galuzin, em registro no site do Ministério da Defesa russo, que publicou a íntegra da entrevista à Tass. "Estamos prontos para atingir os nossos objetivos, de proteção dos habitantes do Donbass, de desmilitarização e desnazificação da Ucrânia."

Presidente ainda em primeiro mandato, Lula visita Putin no Kremlin em outubro de 2005 - Eduardo Knapp - 18.out.05/Folhapress

Em seguida, o vice-chanceler ressaltou as declarações de Lula sobre encontrar meios políticos de evitar uma escalada na Ucrânia, "corrigindo erros de cálculo no campo da segurança internacional com base no multilateralismo e considerando os interesses de todos os atores". "Estamos examinando iniciativas, principalmente sob o ponto de vista da política equilibrada do Brasil e, claro, levando em consideração a situação em campo", completou Galuzin, lembrando que os russos são parceiros dos brasileiros, dos chineses, dos indianos e dos sul-africanos no grupo diplomático Brics.

A proposta de Lula, feita inicialmente ao premiê alemão, Olaf Scholz, em Brasília e levada ao presidente Joe Biden em visita à Casa Branca, prevê uma tentativa de solução do conflito por meio de um "clube de paz" que inclua países como Índia e China. A ideia, por óbvio, foi recebida de forma fria pelos líderes, que mantêm a posição de buscar derrotar a Rússia militarmente.

À Folha o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, disse que o país está "propondo o início de um esforço de construção de uma solução negociada". "A comunidade internacional e as partes envolvidas entenderam isso e sabem que não se trata de uma proposta pronta e acabada. Vamos evoluir, junto com países que tenham condições de participar, para que essas propostas abram caminho para um entendimento."

Na semana que vem, o tema poderá ser explorado por ele em Nova Déli (Índia), onde terá a chance de se encontrar com seus colegas russo, chinês e indiano em reunião do G20. "Essa atitude tem sido bem recebida e tem contado com o reconhecimento de vozes relevantes na comunidade internacional", disse.

Na primeira encarnação de Lula como presidente, de 2003 a 2010, a política externa foi elevada a prioridade, não menos porque era boa vitrine para o momento econômico favorável pelo qual o país passava, aproveitando o boom das commodities puxado pela China. A reputação acabou arranhada pelo fracasso da proposta de acordo nuclear com o governo do Irã, costurado pelo Brasil e pela Turquia, mas bombardeado pelos EUA, e pelo constante apoio a ditaduras de esquerda próximas ao PT.

A situação atual tem nuances complexas, a começar pela posição da China como eventual mediadora. Nesta quinta, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que "quer se encontrar" com os chineses e que gostaria de vê-los nesta posição. A fala veio em tom de cobrança. Na véspera, o presidente Vladimir Putin encontrou-se com o principal diplomata chinês, Wang Yi, que reforçou a aliança entre os dois países e preparou o caminho para um novo encontro entre o russo e o líder Xi Jinping.

Vinte dias antes da guerra, Putin e Xi selaram a aliança no contexto da Guerra Fria 2.0 e, embora não seja um acordo militar, a cooperação cresceu muito, com patrulhas e exercícios conjuntos. Nesta quinta, as Marinhas de China e Rússia realizaram manobras inéditas com a África do Sul, outro membro do Brics.

Os EUA acusam a China de querer enviar armas para ajudar os russos, o que Pequim nega. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, foi na mesma linha: "A China não deve apoiar a guerra ilegal da Rússia".

Por outro lado, os chineses têm mostrado ambiguidade: não condenam os russos, mas insistem que a guerra deve parar. Em debate na ONU nesta quinta, o embaixador-adjunto de Pequim no órgão, Dai Bing, disse que "os fatos brutais oferecem ampla prova de que enviar armas não trará paz", cutucando os EUA. Nesta sexta (24), há a expectativa de que a China fale sobre um plano de mediação.

Há uma percepção crescente no Ocidente de que a guerra pode ter unido os países liderados pelos EUA, mas que outras nações não necessariamente alinhadas a Pequim ou Moscou têm postura independente.

"Estou muito impressionado com como estamos perdendo a confiança do Sul Global", disse no sábado (18) o presidente francês, Emmanuel Macron, na Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, sobre como se comportam na guerra países abarcados pelo termo, como Brasil e Índia.

A deferência russa a Lula é também tributo à posição brasileira na guerra, criticada nos EUA. Galuzin citou até a negativa do petista de vender munição brasileira de tanques Leopard-1 para a Alemanha repassar à Ucrânia, revelada pela Folha em janeiro. "Destaco que a Rússia valoriza a posição equilibrada do Brasil, sua rejeição a medidas de coerção tomadas pelos EUA e por seus satélites contra nosso país e a recusa dos nossos parceiros brasileiros em fornecer armas, equipamento militar ou munição ao regime de Kiev."

Na semana passada, uma alta funcionária da diplomacia americana, a subsecretária de Estado Victoria Nuland, disse que o Brasil deveria "se colocar no lugar da Ucrânia". Galuzin também reagiu: "Vemos como Washington está colocando pressão sobre o Brasil. Tal instância soberana merece respeito".

Lula segue a posição do antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que visitou Putin uma semana antes da guerra. Rivais, ambos os políticos mantiveram a tradição do Itamaraty em caso de conflitos internacionais: a busca por soluções pacíficas e distanciamento, procurando preservar seus interesses.

Assim, o Brasil foi um dos 141 países que condenaram a invasão russa em votação na ONU, mas recusou-se a adotar o draconiano regime de sanções econômicas liderado pelo Ocidente contra a Rússia. Ficou, desta forma, fora da lista do Kremlin de países hostis e garantiu seu interesse principal, mantendo o fornecimento de fertilizantes russos, que dominam 30% do mercado brasileiro.

Nesta quinta, foi novamente 1 dos 141 países a apoiar a resolução pedindo o fim do conflito e teve participação específica no parágrafo 5º do texto, que reitera a necessidade de desocupação da Ucrânia. Buscando estabelecer equidistância, foi a única nação do Brics a não votar contra ou se abster.

Bolsonaro também negou ajudar a Alemanha a obter munição para os blindados de defesa antiaérea Gepard, que o Brasil opera, enviados por Berlim a Kiev. Com efeito, antes do segundo turno de 2022 no Brasil, Putin disse à Folha que tinha boas relações tanto com o petista quanto com o então presidente.

Já na campanha eleitoral, Lula causou polêmica ao dizer que Zelenski era tão culpado pela guerra quanto Putin. Já presidente, modulou o tom dizendo que a Rússia não deveria ter invadido, mas instou ambos a negociar. Críticos afirmam que a postura brasileira desconsidera a tragédia humana iniciada pela Rússia.

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