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Alberto Zacharias Toron

Boate Kiss: Justiça para os condenados

Vontade pessoal de um ministro do STF não pode se sobrepor à própria lei

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Alberto Zacharias Toron

Advogado e doutor em direito penal pela USP, é professor de processo penal da Faap, autor do livro “Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal” (ed. Revista dos Tribunais) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

Theodomiro Dias (FGV-SP) lembra que amputar as mãos daqueles que furtam resolveria o problema do furto; ao menos não haveria reincidência. Goste-se ou não da solução, ela é inviável para países que, como o Brasil, consagram a dignidade humana como vetor a ser respeitado. Por isso, penas cruéis foram erradicadas. Não se açoita e nem se mata para punir. O sistema punitivo deve respeitar os limites que a Constituição traça.

A consagração da presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação é outro desses limites. Não se castiga antes de o processo acabar. É isso que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal reafirmou: só se permite a prisão de alguém antes do término do processo quando ocorrer o flagrante ou a necessidade de prisão preventiva para que o acusado, por exemplo, não fuja ou não continue a delinquir.

No caso dos condenados pelo incêndio na boate Kiss, o Tribunal de Justiça gaúcho havia concedido uma liminar para impedir a prisão logo após o julgamento pelo júri. Na sequência, a corte concedeu o habeas corpus em definitivo para assegurar o direito de os acusados apelarem em liberdade.

Todavia, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que já havia sido vencido na discussão sobre a constitucionalidade de se prender antes do trânsito em julgado, em decisão insólita, invocando o dispositivo de uma lei que não se aplica ao processo penal, resolveu, sozinho, suspender o habeas corpus.

O fez contra anterior precedente da 2ª Turma do STF. Pior, contra a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que não admite, mesmo em caso de júri, a prisão automática logo após a condenação pelo mesmo.

Os três principais jornais do país, inclusive esta Folha ("Populismo penal", 20/12), criticaram duramente, em expressivos editoriais, a decisão do presidente do STF. E com razão.

Há dois fatos que não podem ser ignorados: a discussão sobre a prisão logo após a condenação pelo júri gira em torno de uma regra que não é constitucional. Isso não autorizava, desde logo, o pronunciamento do STF na matéria. O tema deveria ter sido discutido antes pelo STJ. Mesmo porque não está em jogo a soberania da decisão do júri, que, aliás, não é absoluta, e o veredito pode vir a ser anulado pelo TJ gaúcho quando julgar a apelação. A invocação da soberania do júri para atrair a competência do STF é uma espécie de "drible da vaca" no sistema de competências que regula o nosso sistema de Justiça e escancara a arbitrariedade da decisão do ministro Luiz Fux.

Mais grave é o fato de o presidente da corte ter invocado a lei 8.437/92. Essa lei presta-se a proteger a administração pública contra liminares absurdas, que, para exemplificar, mandam o Estado pagar quantias elevadas a um particular. Não serve para limitar a garantia constitucional do habeas corpus, já que a decisão ali proferida não é contra o poder público.

A diferença entre a Justiça e o justiçamento está no respeito às regras previamente firmadas pelo Estado democrático de Direito —"rule of law, not of a man", na formulação americana. É preciso estabelecer freios para que a vontade pessoal de um ministro não possa se sobrepor à própria lei.

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