Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

A outra casa abandonada da rua Piauí

Presidente Rodrigues Alves morou na mansão, que também acolheu a Polícia Federal

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São Paulo

A rua Piauí, em Higienópolis, não tem só uma casa abandonada. Tem pelo menos duas. Além da mansão no número 1111, onde vivia uma mulher misteriosa chamada Margarida Bonetti, que rendeu um podcast de grande repercussão, há outra completamente vazia na esquina com a rua Itacolomi que tem uma longa história ligada à política e à polícia. Ela ocupa o número 527 e está desocupada há mais de 20 anos. Teve, porém, um passado glamoroso e um período tenebroso.

Em estilo art nouveau, a mansão, que tem 900 metros quadrados e ocupa um terreno de 2.640 metros quadrados, remete aos primórdios da ocupação do bairro e ao esplendor da economia cafeeira. F,oi construída na década de 1910 para ser residência do quinto presidente da República, Rodrigues Alves, que governou de 1902 a 1906. No período em que morou na casa ele tinha outro cargo. Era presidente (governador) do estado de São Paulo pela terceira vez. Alves morreu em 1919.

Mansão na rua Piauí
Mansão da rua Piauí foi delegacia da Polícia Federal e precisa de restauração: há um homem na casa abandonada - Vicente Vilardaga

Entre 1965 e 2003 o imóvel serviu de delegacia para a Polícia Federal em São Paulo e durante a ditadura abrigou atividades do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que o usava para fazer interrogatórios e como carceragem para prender presos políticos. O imóvel tem dois pavimentos e um porão que servia bem a esses objetivos.

O que se vê hoje é uma casa em situação de abandono que enfrenta problemas de umidade e carece de restauração, embora seja tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) desde 2012.

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Policiais arrombam janela de casarão na rua Piauí, 1111, residência de Margarida Bonetti - Eduardo Knapp/Folhapress

O órgão determinou a preservação integral do imóvel, o que inclui o hall de entrada, os lambris de madeira, as portas com vitrais, a serralheria da escada, os pilares do portão de entrada e o gradil de ferro das fachadas. A casa foi considerada um "exemplar de moradia abastada do início do século 20".

Aparentemente, há um zelador (o homem da casa abandonada) que faz alguns serviços de manutenção e cuida da segurança. Em 2018, ela era propriedade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e foi leiloada por R$ 26 milhões para uma empresa cujo nome não foi identificado. Antes de o imóvel ser vendido, pensou-se em instalar ali um batalhão da Polícia Militar ou um museu de arquitetura.

Também foi considerada pelo diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogerio Sottili, então secretário de Direitos Humanos no governo de Fernando Haddad, a possibilidade de converter a casa em um centro de educação e em um museu dedicado aos direitos humanos. A ideia não avançou.

Antes disso, havia uma grande probabilidade da casa, cercada de prédios luxuosos e localizada em uma região muito valorizada pelo mercado, ter sido demolida e dado lugar a um prédio residencial. Aconteceu, porém, um imprevisto. Em 1990, ela foi vendida pelo INSS para a construtora Encol e a empresa faliu sem conseguir terminar de pagar pelo imóvel, sendo obrigada a devolvê-lo.

Interior da casa da rua Piauí, 527, antes de ir a leilão em 2018 - Katia Kuwabara/Folhapress

Em seu livro "O Nome do Bispo", a escritora Zulmira Ribeiro Tavares descreve a casa com um local de interrogatórios do Dops durante a ditadura. O herói do romance, Heládio Marcondes Pompeu, membro da aristocracia decadente paulista, foi lá para prestar um depoimento na obra de ficção. A própria Zulmira também esteve duas vezes na casa para ser interrogada por causa de um conto que publicou em uma revista e pediu auxílio a um advogado para saber o que dizer e como se portar.

O Dops teve atividades na mansão, mas ela servia mesmo como sede da PF, que também integrava o aparato repressivo no período ditatorial. Estrangeiros acusados de subversão, assim como traficantes eram presos na casa. Depois da ditadura serviu de carceragem para vários personagens sinistros e criminosos que se escondiam no Brasil, como o mafioso da Cosa Nostra Tommaso Buscetta, em 1983, ou o líder da Camorra, Francesco Toscanino, em 1989. Quem também foi encarcerado na rua Piauí foi o juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, no ano 2000. Como se vê, a mansão tem uma longa história de horrores.

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