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Decisão que restringe animais em testes de cosméticos é avanço, mas entidades veem fragilidade

Defensores da causa animal dizem que bichos permanecem desprotegidos e defendem lei federal e fim de testes

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Uma resolução do Concea publicada nesta quarta-feira (1º) no Diário Oficial da União restringe o uso de animais em pesquisa, desenvolvimento e controle de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes. Entidades de defesa animal celebram a iniciativa, mas veem fragilidades e afirmam que os bichos continuam desprotegidos.

Isso porque, segundo o Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), a resolução proíbe o uso de animais vertebrados nos casos em que os ingredientes e compostos já tenham segurança e eficácia comprovada cientificamente.

No entanto, em fórmulas novas e que não tenham ainda evidência de segurança ou eficácia, fica determinada a obrigatoriedade do uso de métodos alternativos —"que substituem, reduzem ou refinam o uso de animais"— reconhecidos pelo Concea, órgão responsável por regulamentar experimentos com animais no país.

Um dos cães da raça beagle resgatados de laboratório, em 2013, em São Paulo - Marlene Bergamo-21.out.13/Folhapress

A HSI (Humane Society International) comemorou a medida, mas afirmou que ela deve ser vista apenas como uma solução parcial, que requer o apoio dos legisladores para ser ampliada. Segundo a ONG, o Concea não tem competência legal para incluir em suas resoluções questões que considera importantes, como a restrição à comercialização de cosméticos provenientes de novos testes em animais.

"Esta resolução é um passo na direção certa e algo pelo qual estamos trabalhando há muito tempo. No entanto, a proibição de testes por meio desta resolução por si só não impedirá a importação e a venda, no Brasil, de cosméticos recentemente testados em animais em outros países. Isso coloca a nossa indústria de cuidados pessoais em desvantagem competitiva e não atende à demanda clara dos consumidores brasileiros por um setor de beleza livre de crueldade", afirma Antoniana Ottoni, especialista em assuntos governamentais da HSI, que lidera um esforço global há mais de uma década para proibir testes em animais para cosméticos.

Em abril de 2021, Ralph, um coelho, virou a estrela de uma campanha da HSI pelo banimento mundial de animais em testes de cosméticos. Na animação, ele fala de sua rotina como cobaia: cego de um olho e com zumbido permanente em uma orelha, tem queimaduras químicas nas costas. "Mas, no final das contas, está tudo bem. Fazemos tudo isso pelos humanos, certo? São muitos superiores a nós, animais", diz o personagem.

Antoniana defende uma lei federal. No fim do ano passado, o Senado aprovou projeto sobre o tema, e a matéria permanece na Câmara.

Karynn Capilé, veterinária e consultora de bioética do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, também lembra que há anos protetores buscam a aprovação do projeto que prevê a proibição dos testes para cosméticos no Brasil.

Ela afirma reconhecer a importância da resolução, mas afirma que, na prática, os animais continuam desprotegidos.

"O problema disso é que apenas os métodos validados pelo Concea são reconhecidos no Brasil, e esse processo de validação é burocrático e lento. Além disso, não é difícil para os pesquisadores contornarem essa RN [resolução normativa] e usarem animais do mesmo jeito. O ideal seria proibir os testes mesmo. Isso garantiria mais proteção aos animais e não haveria dependência do trâmite burocrático que o Brasil tem para o reconhecimento dos métodos alternativos."

Ricardo Laurino, presidente da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira) e autor do livro de ficção "O Último Teste" (2013), também vê a resolução com ressalvas.

"Infelizmente, o que poderia ser um grande avanço parece apenas um pequeno movimento do Concea. Proibir testes de substâncias já reconhecidas como comprovadamente seguras pouco defenderá os animais, pois as empresas testam, principalmente novas substâncias. Permitir a venda de produtos testados em outros países também frustra a possibilidade de um avanço mais concreto."

A aprovação nesta quarta (1°) ocorre após a publicação de uma série de resoluções normativas pelo conselho nos últimos oito anos reconhecendo a aplicação de métodos alternativos para pesquisas em animais.

Entre os métodos reconhecidos são 17 alternativas divididas em sete desfechos (o que se procura investigar na pesquisa): avaliação de irritação e corrosão da pele; irritação e corrosão ocular; potencial de fototoxicidade (danos após exposição à luz solar); avaliação da absorção cutânea; potencial de sensibilização cutânea; toxicidade aguda; e genotoxicidade (possibilidade de induzir alterações genéticas no organismo).

Para a coordenadora do Concea, Kátia De Angelis, a resolução alinha o Brasil à prática internacional. "A resolução terá um impacto muito positivo, pois responde a uma demanda da comunidade em geral, das sociedades protetoras dos animais, indústria e cientistas, e vai ao encontro da legislação internacional, como da comunidade europeia", disse em material divulgado pelo governo federal.

O uso de animais em laboratórios é assunto polêmico. Antigamente não existiam outras ferramentas, e os bichos eram a única forma para testar a segurança de produtos como cosméticos, alimentos e remédios. Mas, atualmente, existem estratégias para investigar algumas substâncias, e em alguns casos os bichinhos podem ser substituídos por pele artificial e até simulação em computador.

Com isso, há cada vez mais apelos para que o uso de ratos, coelhos e macacos seja banido das pesquisas.

Embora cientistas sigam regras para minimizar o sofrimento, defensores da causa animal apontam que pode haver crueldade em testes. De forma geral, alegam que os bichos são submetidos a lesões, alimentação forçada, administração de medicamentos e manipulação constante.

O projeto de lei aprovado no fim do ano passado no Senado proíbe o uso de animais em pesquisas e testes para a produção de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal, além do comércio de produtos que tenham sido testados após a entrada em vigor da lei. Como o texto sofreu alterações, passará por nova análise na Câmara.

Conforme a proposta, os testes em animais na produção de cosméticos só poderão ser permitidos pela autoridade sanitária em situações excepcionais e após consulta à sociedade. Para isso, segundo a Agência Senado, é necessário que o ingrediente seja amplamente usado no mercado e não possa ser substituído; que seja detectado um problema específico de saúde humana relacionado ao ingrediente; e que inexista método alternativo.

A HSI atua em todo o planeta para proteger animais e diz que mais de 40 países já proíbem testes com bichos para cosméticos. No Brasil, alguns estados têm proibições.

Muita gente já dá preferência a produtos chamados "cruelty free", ou seja, não testados em animais. No caso dos cosméticos, há ainda os veganos, que não têm na sua composição nenhum ingrediente de origem animal, como mel, por exemplo.

Por aqui, o banimento de testes e pesquisas em animais ganhou força após o caso do Instituto Royal, em São Paulo. Em 2013, ativistas resgataram do local 178 cachorros que eram usados em pesquisas farmacêuticas.

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