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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Sensações de um jornalista ao cobrir eleições no Brasil

Vaias ou tiros são alguns dos caminhos a serem escolhidos nas urnas hoje

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Após 26 anos cobrindo eleições no Brasil, essa é a primeira vez que um chefe de reportagem me oferece um colete à prova de balas para trabalhar no dia da votação. "É horrível usar isso, mas talvez seja necessário", me disse o editor de fotografia de uma agência de notícias ao me entregar a peça na manhã de ontem.

A triste situação só faz confirmar o estado de constante ameaça causado pelo presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e sua tropa, que há décadas insistem no discurso do medo, do ódio e das armas, e não medem esforços nem consequências ao criarem narrativas caóticas contra jornalistas, adversários políticos e seus eleitores.

Carla Zambelli saca arma e aponta no meio da rua para pessoa na rua
Carla Zambelli saca arma e aponta contra eleitor, no meio da rua - Antonio Neto no Twitter

O clima gerado nada tem a ver com o período no qual vivemos, democrático, e não deveria acontecer nesse país carregado de tenebrosas experiências que, teoricamente, já teriam nos ensinado a repulsar qualquer tentativa de retrocesso.

Talvez por isso, tanto eu quanto o chefe de reportagem, arriscamos o mesmo palpite sobre o maldito colete na manhã de ontem: "não deve chegar nesse ponto [de atirarem contra jornalistas e eleitores], amanhã a gente avalia".

Eis que, poucas horas depois, a quatro quadras do ponto de encontro com meu chefe, foi disparado mais um tiro eleitoral.

A deputada federal Carla Zambelli (PL), fiel escudeira do presidente Jair Bolsonaro, sacou sua pistola para intimidar um eleitor petista que, segundo ela, havia a agredido. O tiro não acertou ninguém.

"Eles usaram um negro para vir encima de mim", disse ela em rede social ao justificar sua atitude enquanto mostrava um machucado (do tamanho de uma verruga) em seu joelho, causado, ainda segundo ela, durante o conflito.

Vídeos e testemunhas dão conta que o episódio, ocorrido em uma rua nobre da cidade de São Paulo, começou com a provocação do eleitor. Nada de muito grave se levarmos em conta a cultura democrática em que (teoricamente) vivemos.

A agressão, que a deputada diz ter sido física (empurrão e cuspes), não aparece no vídeo. Tampouco aparecem outras pessoas armadas (como ela diz ter suspeitado) a não ser aquelas que serviam de companhia à própria deputada.

Nesses 26 anos de carreira perdi as contas de quantas vezes já vi político ser humilhado no meio da rua e mesmo assim seguir firme, sem reagir nem perder a compostura. Muitos até mantinham um sorriso inabalável sob enxurradas de vaias, ovos e até de cuspes. Às vezes, sequer uma nota em jornal aquele tipo de situação rendia, era comum, normal.

Até pouco tempo atrás, aos que se prestavam a qualquer cargo público, o risco democrático de sofrer um vexame público era pré-requisito da democracia.

Essa condição parece ter chegado ao fim.

O tiro de Zambelli não foi contra um homem só, foi contra toda a democracia, e se soma a milhares de outros tiros do mesmo tipo.

Como não lembrar hoje dos tiros que mataram Marielle Franco?

Ou o tiro de Zambelli serve de alerta aos que ainda não se deram conta dos riscos de seus votos, ou é a confirmação de um Brasil violento e antidemocrático que, pelo jeito, nunca deixou de existir.

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