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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
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trânsito

Volkswagen se alia a cervejaria para promover balada em reduto de ciclistas

Além de não combinarem, álcool e carros não têm nada a ver com o Parque Linear Bruno Covas

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O que o dinheiro não faz? Não há outra explicação, se não a ganância, quando se vê a parceria entre uma fabricante de automóveis e uma cervejaria para promover suas marcas na ciclovia do Parque Linear Bruno Covas, às margens do rio Pinheiros.

Será que o "gênio" da publicidade que concebeu essa ideia não lembrou que álcool e volante não combinam? Será que essa pessoa sabe que a ciclovia do Parque Linear Bruno Covas é um reduto de ciclistas, um dos raros lugares da cidade de São Paulo onde patinadores, skatistas, pedestres e famílias se refugiam do trânsito e dos perigos da cidade?

Estrutura do bar flutuante da Heineken, que usa parte da ciclovia do Parque Linear Bruno Covas

Será que os acionistas da Volkswagen estão sabendo que no Brasil essa amarga mistura mata mais de um brasileiro por hora, e que o país gasta bilhões de Reais para prevenir esse crime e salvar suas vítimas, todo ano?

Será que esse pessoal da Heineken nunca ouviu falar da Marina Harkot, do Claudemir Kauã, do Marcelo Henrique Maciel, e de tantos outros ciclistas mortos por motoristas bêbados antes de escolher a ciclovia de um parque para montar sua festa regada a álcool?

A resposta é uma só. Sabem de tudo isso e não estão nem aí. Porque no fim o dinheiro vence, e, desde que o lucro justifique, sempre haverá uma desculpa para qualquer descalabro. No caso vão dizer que estão usando equipes de segurança, que o evento é monitorado, que os carros da ação têm motoristas qualificados, que a administração do parque autorizou (outro absurdo), ou que o tema da sustentabilidade é nobre. Cerveja é sustentável no balcão do bar, não em beira de ciclovia.

Ciclistas acessam a nova ciclopassarela flutuante que foi englobada pelo evento da cervejaria, no Parque Linear Bruno Covas

Marina morreu enquanto pedalava na avenida Paulo 6º, na zona oeste de São Paulo, em 8 de novembro de 2020, época que cursava seu doutorado em urbanismo pela USP. Sua tese era sobre o acesso democrático à cidade, onde a bicicleta desempenhava papel fundamental. Tinha apenas 28 anos quando um Hyundai Tucson passou sobre seu corpo a 95 Km/h. O motorista, que tinha saído bêbado de um bar, fugiu sem prestar socorro.

Claudemir partiu bem novinho, aos 17 anos. Foi atropelado por um Volvo V40 dirigido por um homem tão alcoolizado que mal articulava as palavras. O crime aconteceu na avenida Corifeu de Azevedo Marques, na zona oeste da cidade de São Paulo, em 10 de fevereiro de 2022. O jovem usava a bicicleta para trabalhar, fazia entregas com uma mochila pesada nas costas, suava o dia todo por um troco. Mas era feliz, estava animado para cuidar da filha recém-nascida. Foi morto no fim do expediente, ao voltar para casa.

Marcelo era bancário, tinha 44 anos, amava o ciclismo esportivo. Morreu às 6h30 da manhã de um domingo, 13 de fevereiro de 2022, enquanto treinava no acostamento do km 15 da rodovia dos Bandeirantes, zona norte de São Paulo. Foi atropelado por um Volkswagen Polo, dirigido por um jovem bêbado que tinha acabado de sair de uma balada. Marcelo deixou mulher e 5 filhos.

É por essas pessoas, e incontáveis outras, vítimas do trânsito violento e do álcool, que as ciclovias foram transformadas em redutos sagrados, onde todos são bem-vindos para festejar, desde que estejam sem carro e sem álcool.

Repensar o futuro do rio Pinheiros e das cidades com sustentabilidade, como propõem as marcas, deve ter a vida e a saúde como um dos compromissos fundamentais.

Carros da Volkswagen usados na ação publicitária do bar flutuante da Heineken, no Parque Linear Bruno Covas

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