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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Vivendo de contar suas aventuras, ciclista lançará vigésimo livro

Escritor relata batalha contra mercado digital para sobreviver da literatura

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Em janeiro de 2024, quando lançar "Trans-Inca: Sem Ar e Sem Poncho nos Andes", o escritor paulista Guilherme Cavallari chegará à marca de 20 títulos publicados desde que abandonou o trabalho convencional para se tornar um "aventureiro profissional".

A reviravolta na carreira de Cavallari começou em 2001, quando decidiu parar de lecionar inglês para executivos em São Paulo e mergulhar de cabeça no universo da literatura de aventura, lançando seu primeiro "Guia de Trilhas", um manual para pedalar nas montanhas, recheado de mapas e dicas.

Guilherme Cavallari em frente à cratera do vulcão Quilotoa, no Equador, durante a expedição que serviu de inspiração para seu novo livro - Guilherme Cavallari

Na época com 40 anos, o então professor recebia um bom ordenado, mas a labuta corporativa era incompatível com seu perfil desbravador —dos 17 aos 33 anos Cavallari já tinha vivido uma grande aventura exploratória, conquistada com seu próprio suor: foi limpador de chaminés nos Estados Unidos, colheu batatas na Inglaterra, virou pedreiro em Israel, fez um tour de carona pelo Oriente Médio, e foi mensageiro de bicicleta na Alemanha (logo após a reunificação). De volta ao Brasil, casou e se assentou.

"Queria algo que fosse relacionado ao esporte, à natureza e à arte. Meu sonho de criança era ser escritor, mas eu não via isso como uma chance de trabalho real", lembra.

O "Guia de Trilhas" teve tiragem de 8 mil exemplares, e logo esgotou. O sonho de criança começou então a se concretizar com o lançamento de uma série de novos guias. Na época Cavallari teve uma sacada: se quisesse sobreviver de livros de aventura, teria que criar sua própria editora. "Eu tinha que escrever, fotografar, editar, imprimir e distribuir. Eu mesmo fazia as entregas nas livrarias". Foi assim que surgiu a editora Kalapalo, sem sócios.

Batalha ideológica contra o mercado digital

A fórmula de sucesso de seus manuais, baseada em seu trabalho cartográfico de trilhas, não tinha concorrência no mercado editorial, mas o aventureiro percebeu que precisava mudar de rumo.

"Em 2012 entendi que os guias não tinham mais futuro. Senti que em pouco tempo os mapas de trilhas seriam digitalizados, colocados em ciclo-computadores e aplicativos de celular, e ninguém mais iria comprar. Então migrei para a literatura mesmo", lembrou. "Decidi fazer algumas expedições de bicicleta para conhecer novos lugares. Achei que deveria contar as experiências de um jeito que não se via em livros de aventura".

Com "Transpatagônia: Pumas não Comem Ciclistas", lançado em 2015, o escritor inaugurou sua nova fase, com um texto que mistura suas sensações com profundas análises dos lugares por onde passou. "Nesse livro eu falo sobre história e cultura dentro de uma linha narrativa da aventura, onde conto as experiências enquanto pedalo milhares de quilômetros sozinho, em ambientes inóspitos, acampando selvagem e me orientando pela população local. Então o livro não é apenas um diário de viagem".

Na sequência o escritor lançou outros dois títulos na mesma pegada. Primeiro veio "Highlands: por Baixo do Saiote Escocês" em 2017, que traz o relato de uma aventura gelada, cheia de introspecção, pelas montanhas e trilhas medievais do norte da Escócia. Três anos mais tarde escreveu "Transmongólia: Gengis Khan na Garrafa de Vodka", com comentários sobre a cultura nômade da Mongólia, que o escritor teve o privilégio de experimentar na intimidade: "A etiqueta social na Mongólia determina que não se deve bater na porta de uma tenda nômade. Deve-se simplesmente entrar. Não conheço nenhum outro lugar do mundo onde isso seja a regra", disse.

Em 2022 Cavallari realizou sua mais recente aventura. Cruzou a Cordilheira dos Andes de Quito, capital do Equador, até Cusco, no Peru. "Essa foi a expedição fisicamente mais difícil da minha vida", disse o escritor ao anunciar sua mais nova obra, "Trans-Inca: Sem Ar e Sem Poncho nos Andes", que está em fase final de produção e em breve será levada pessoalmente, no bagageiro da bicicleta de Cavallari, para todas as livrarias que o escritor puder alcançar.

"Ser aventureiro profissional no Brasil não é fácil. Não temos a tradição de países onde essa cultura é mais antiga e melhor enraizada na sociedade. Ser escritor também não é fácil num país de poucos leitores e onde mais livrarias são fechadas do que abertas", disse Cavallari em uma campanha para alavancar a venda de sua obra.

Em paralelo ao livro, o aventureiro busca recursos para lançar também um documentário, assim como fez na expedição anterior ao lançar "Transmongólia", dirigido por Cauê Steinberg e vencedor da última edição do Rio Mountain Festival, mesmo prêmio que já havia conquistado em 2014 com o filme "Transpatagônia", homônimo do livro lançado em 2015.

Hoje com 61 anos, o experiente escritor diz que prefere continuar sua fórmula de aventureiro profissional autossuficiente, produzindo e vendendo livros em papel.

"Estou numa batalha ideológica contra o mercado digital. Do jeito que é hoje, como um monopólio, está inviável, tornou-se insustentável a sobrevivência de escritores e editoras", disse ao explicar o motivo pelo qual não vende seus livros através da gigante Amazon.

"Essa empresa, além de exigir que eu venda os livros por um valor muito baixo, fica com 85% do valor para eles, e ainda dizem que vou ganhar no volume. Ora, não sou nenhum Paulo Coelho para vender 1 milhão de cópias. Desse jeito eles me obrigam a voltar a dar aulas de inglês".

Guilherme conta que, assim como fez quando era jovenzinho, paga todas suas aventuras com o próprio suor. "Não sou herdeiro, não sou rico, tudo o que faço é bancado pela venda dos meus livros e dos meus cursos".

Sim, o escritor e aventureiro profissional preservou o dom de professor; além de tudo, ainda ensina acampamento selvagem, trekking e cicloturismo.

Toda a produção de Guilherme Cavallari está disponível no site da editora Kalapalo.

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