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Quando a evolução encontra soluções semelhantes por caminhos distintos

Estudo mostra que o mecanismo de captura do ferro pelas plantas evoluiu ao menos duas vezes de modo independente

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Luiz Eduardo Del-Bem

Vivemos num planeta dominado por plantas: cerca de 80% de toda matéria viva existente no globo consiste numa planta terrestre. E pensar que a biomassa de todas as outras formas de vida atingem em torno de um quarto disso! Mas as relações ecológicas na Terra seriam radicalmente diferentes não fosse a capacidade desses organismos de capturar dióxido de carbono do ar e transformá-lo em açúcares. Para tanto, eles utilizam luz solar e água por meio da fotossíntese, um mecanismo capaz de transformar e acumular a energia contida na luz que viaja do Sol até a superfície da Terra, na forma de energia química. É fácil compreender a importância desse fenômeno quando até os movimentos dos dedos que digitam este texto dependem dessa energia.

A ubiquidade da fotossíntese, no entanto, esconde a complexidade molecular por trás do fenômeno, pois nem só de água, luz e dióxido de carbono vive uma planta. O elemento químico ferro, por exemplo, não só é essencial para as reações bioquímicas que produzem a clorofila — molécula responsável por absorver a energia solar na forma de fótons — como também é indispensável na cadeia de transporte dos elétrons retirados das moléculas de água durante o processo. O fluxo desses elétrons nos cloroplastos — organela onde ocorre a fotossíntese — é a fonte de energia que abastece a captura de carbono do ar, e por isso os mecanismos que plantas e algas utilizam para obter ferro do meio ambiente são imprescindíveis para a fotossíntese.

Arte ilustra um macaco feito de folhas verdes mexendo em um computador; na tela aparece um ícone de arquivo de zip
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Se por um lado o ferro é o quarto elemento mais abundante na crosta terrestre e o primeiro em termos de massa, responsável por quase um terço de todo o planeta, a sua biodisponibilidade para as raízes das plantas é bastante limitada. Isso acontece porque o pH do solo e o seu teor de oxigênio ditam a forma química em que o ferro se encontra.

Em solos alcalinos (pH alto) e oxigenados, o ferro é rapidamente oxidado e convertido em óxidos férricos insolúveis. Em solos ácidos (pH baixo), ele pode se libertar desses óxidos e se tornar mais solúvel, podendo ser capturado pelas raízes. Plantas terrestres possuem proteínas que, ao bombear prótons para fora das células, abaixam o pH em torno das raízes, o que lhes permite absorver a forma solúvel do ferro por meio da proteína transportadora IRT1, descoberta nos anos 1990. Na década seguinte, percebeu-se que algas verdes também utilizavam uma proteína desse tipo para transportar ferro do ambiente para dentro das células.

Fazia sentido imaginar que a porta de entrada do ferro nas células vegetais, a proteína IRT1, tivesse evoluído antes que plantas e algas se separassem há mais de um bilhão de anos. No entanto, um estudo que desenvolvemos na UFMG, numa parceria com a UFRGS, acaba de mostrar que a captura desse elemento pelas plantas não poderia ser mais diferente. Nosso trabalho, publicado na revista New Phytologist, comparou o genoma completo de mais de 50 espécies de plantas e algas e descobriu que, ao contrário do que se supunha, os genes IRT1 presentes nas plantas terrestres e nas algas verdes não têm a mesma origem, o parentesco entre eles é bem mais distante do que se presumia.

Proteínas IRT1 integram uma grande família de transportadores de metais chamada ZIP. O metal que cada proteína ZIP transporta varia entre zinco, manganês e ferro, sendo que alguns transportadores são capazes de transportar mais de um deles. Nosso estudo mostrou que proteínas ZIP especializadas na captura de ferro do ambiente evoluíram pelo menos duas vezes independentemente: é como se a evolução tivesse entalhado a abertura de entrada desse elemento mais de uma vez, a partir de portas diferentes.

Sabe-se que todas as plantas terrestres, das maiores árvores aos menores musgos, possuem um ancestral comum. Nosso trabalho mostra que elas utilizam o mesmo tipo de IRT1 para captar ferro, enquanto algumas algas verdes unicelulares mais distantes utilizam um tipo diferente de IRT1. Nossos dados indicam que o tipo que atua nas plantas terrestres foi herdado das primeiras algas unicelulares a deixar o meio aquático e sobreviver em terra firme, imersas na atmosfera. Essas algas, conhecidas como carófitas, são os parentes mais próximos das plantas terrestres.

Tal descoberta sugere que o surgimento do mecanismo que mantém o fluxo de ferro necessário para a fotossíntese e garante a dominância das plantas na biomassa da Terra ocorreu quando seus ancestrais unicelulares se adaptaram de modo a capturar ferro em solos primitivos. Isso se deu antes da existência de qualquer organismo que reconheceríamos como uma planta, quando as "florestas" que cobriam os continentes ainda eram microscópicas, compostas por microalgas.

A história de como essas microalgas deram origem às plantas que hoje dominam os ecossistemas terrestres é a história das florestas e de como a vida conquistou definitivamente o meio terrestre. Ajuda a explicar o que um primata recém-descido das árvores faz escrevendo este texto.

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Luiz Eduardo Del Bem é geneticista e professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do MSU-DOE Plant Research Laboratory (PRL) da Michigan State University (MSU).

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