Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

O canibalismo no cardápio de Bolsonaro

Tirar a antropofagia da esfera dos tabus é normalizar a barbárie; assim, o bolsonarismo destrói qualquer sociedade possível

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Brasília

"Não entendi." Esta foi a reação do jornalista americano Simon Romero ao ouvir Jair Bolsonaro, então deputado federal, lhe dizer: "eu vou te falar o que é comer o índio".

É óbvio que Romero, na época correspondente do New York Times no Brasil, entendera tudo. Fluente em português, o gringo certamente fez questão de confirmar o absurdo que lhe chegava aos ouvidos.

Não lhe parecia possível que um homem na posição de Bolsonaro, parlamentar eleito pelo Rio de Janeiro, falasse com tanto desprendimento sobre o dia em que quis comer carne humana –e só não o fez porque as pessoas que o acompanhavam rejeitaram a brincadeira canibal.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) come frango com farofa em uma barraca de rua em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro (PL) come frango com farofa em uma barraca de rua em Brasília - Reprodução/Twitter

Ao correspondente, ele disse que um "índio" –é assim que Bolsonaro, inimigo do linguajar politicamente correto, se refere aos povos nativos do Brasil– havia morrido numa localidade chamada Surucucu.

Ainda segundo o relato do deputado, os amigos do morto decidiram cozinhá-lo "por dois, três dias" para depois comê-lo "com banana".

Ante um Romero atônito, Bolsonaro diz que "queria ver o índio sendo cozinhado". Confrontado com a necessidade de participar da refeição ritual não somente como voyeur –tinha de comer também–, ele topou o desafio.

"Eu como!", gritou Bolsonaro, com os olhos esbugalhados, para o jornalista americano.

Sobre o episódio da moqueca de carne humana com banana: é mentira.

Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Mente sobre tudo, da ausência de corrupção em seu governo às suspeitas ridículas sobre o sistema eleitoral do Brasil.

Se –um montão de ênfase no "se"– ele houvesse presenciado uma cerimônia fúnebre que envolvesse antropofagia, não comeria a carne do defunto coisa nenhuma. Além de mentiroso, Bolsonaro é fanfarrão.

O deputado Jair estava tirando onda com o gringo. Despejava os piores despautérios na cabeça de Romero apenas para se deliciar com o horror do jornalista. Além de mentiroso e fanfarrão, Bolsonaro é chegado num sadismo.

Na real, interessa bem pouco se é verdade ou mentira o "índio com banana". O relevante no episódio –a entrevista ao NYT– é a disposição de Bolsonaro para desafiar tabus.

Tabus não existem sem motivo. Canibalismo não deveria constar do repertório de ninguém em nossa sociedade, mas está no cardápio de despropósitos de Jair Bolsonaro.

Não se deve trazer a antropofagia para fora da esfera dos tabus porque, bem, a garantia de não se tornar a janta do vizinho é um preceito bem fundamental da convivência entre humanos.

Ignorar o tabu do canibalismo é normalizar a barbárie, uma especialidade de Jair Messias Bolsonaro. Esse sempre foi o plano.

Ao falar em canibalismo, Bolsonaro aloprou. Chutou o balde para testar a fibra do interlocutor. Mas sua seita está cheia de outros exemplos da banalização de tabus: fascismo, intolerância religiosa, homofobia, racismo, milícias armadas.

Bolsonaro trabalha pela barbárie. Normalizá-lo, como tem sido feito há anos para espantar o fantasma do socialismo, é normalizar a destruição de qualquer sociedade possível.

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