Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

Ainda somos os mesmos e almoçamos como nossos pais

Para resolver a vida sem, sobressaltos, mãe e pai comiam no supermercado. Eu detestava. Hoje, nem tanto

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São Paulo

A semana foi do jeitinho que a Volkswagen queria: metade falou bem, a outra metade falou mal, mas todo mundo ajudou a divulgar o comercial da montadora em que a cantora Elis Regina, ressuscitada por inteligência artificial, contracena com a filha Maria Rita.

Eu, inclusive, neste exato momento.

Os críticos acusam Maria Rita de ganhar dinheiro sobre o cadáver da mãe e, muito grave, para promover uma empresa que apoiou a ditadura militar no Brasil. Duvido que Elis vá se incomodar, pois está morta.

Elis Regina aparece dirigindo automóvel enquanto canta
Cantora Elis Regina recriada por Inteligência Artificial para comercial da Volkswagen - Reprodução

E concordo com o João Marcello Bôscoli, outro filho de Elis: quase toda empresa tem pecados pretéritos, maiores ou menores, camuflados ou evidentes. As alemãs, então, vixe! Pesquise as origens da Adidas e da Puma, marcas queridinhas dos modernos. Vai deixar de tomar aspirina também?

Outro alvo de crítica é o emprego de "Como Nossos Pais", composta por Belchior e interpretada por Elis, como jingle para vender carro.

Não é exatamente uma ode à convivência harmoniosa de gerações, mas me parece que esse pessoal nasceu ontem e nunca viu um reclame na vida. Publicidade é a arte de deturpar o sentido original das coisas.

"Como Nossos Pais" trata da raiva e do medo da juventude dos anos 1970, com esquinas perigosas e sinais fechados. Evolui até concluir amargamente que, no fim das contas, jovens e velhos são a mesma tralha.

É frustrante, pois dói entender que as gerações anteriores também se iludiram na presunção de que eram o alecrim dourado da existência humana. Mas a acomodação traz algum alento: não há descanso numa vida só de novidade e revolução.

Quando o jovem descobre que precisa descansar, cede ao inevitável. Relaxa, compra um pijama confortável e um chinelo parecido com o do pai, apenas menos horrível.

Estava viajando nessas abobrinhas quando me peguei comprando, na rotisseria do supermercado, arroz, feijão e frango assado para aquecer no micro-ondas e almoçar em casa.

Meus pais adoravam almoçar em supermercados aos sábados. Jesus, como eu detestava! Nos meus 14 ou 15 anos, queria experimentar restaurantes, ver lugares bacanas, comer longe daquele coquetel de aromas de amaciante, açúcar, vinagre e ração de cachorro.

Pai e mãe só pensavam em resolver a vida sem sobressaltos. Compras e almoço na mesma saída, economia de tempo e de grana. E toca para a lanchonete do Bompreço da avenida Ricardo Jafet.

Saí da casa dos pais e me meti a fazer tudo diferente. Se eles jantavam cedo, eu jantava tarde. Se temiam sabores novos, eu me jogava na comida asiática, no nordestino raiz, no restaurante daquele fulano que faz um negócio que só ele faz.

Inventava moda –e ainda invento– até no almoço dos dias de semana. Quando trabalhava em redação, torrava o salário em restaurantes bons; no home office, dei para cozinhar coisas criativas. Uma hora cansa.

Cansado, recorri à rotisseria do supermercado. O próximo passo é comer lá mesmo, como faziam meus pais.

E o bufê de sopas da padaria que me aguarde: dia desses apareço para tomar caldo de mandioquinha com torrada de alho. Às 18h em ponto.

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