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De Grão em Grão - Michael Viriato
Michael Viriato

A compra do Clube Cruzeiro por Ronaldo foi um bom negócio?

Ronaldo falhou em seguir duas premissas de um investidor prudente

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Ronaldo com membros da diretoria do Cruzeiro no anúncio da compra das ações do clube pelo Fenômeno

Ronaldo com membros da diretoria do Cruzeiro no anúncio da compra das ações do clube pelo Fenômeno Divulgação/Cruzeiro

Dois grupos comemoram a negociação do Cruzeiro com Ronaldo. Os torcedores e os credores estão aliviados com a transação, pois ela dá folego para contratação de jogadores e respaldo à dívida bilionária do time. No entanto, passado o frenesi da aquisição, será que Ronaldo pode comemorar a plenos pulmões?

Não há dúvida de que Ronaldo foi um exemplo de atleta e é um reconhecido empresário. Mas mesmo investidores bem-sucedidos cometem falhas em suas aquisições.

Por exemplo, ninguém duvida que Warren Buffet e Jorge Paulo Lemann são referência em selecionar e adquirir empresas. No entanto, como confessou Buffett, sua compra por mais de US$ 23 bilhões da empresa de alimentos Heinz se mostrou desastrosa.

A ordem de grandeza não é a mesma, mas, proporcionalmente, Ronaldo se comprometeu com muito mais de seu patrimônio na aquisição do time mineiro. Um investidor prudente não deveria comprometer mais que 20% de seu portfólio com um único ativo.

A compra do Cruzeiro guarda alguma semelhança com uma transação ocorrida há quase 40 anos na Inglaterra.

Em 1982, o empresário Kenneth Bates comprou o time britânico Chelsea por apenas uma libra. Isso mesmo, menos de R$ 8.

Assim como o Cruzeiro, o Chelsea amargava a posição na segunda divisão do campeonato inglês e tinha uma dívida considerável para a época, mas que somava apenas £ 1 milhão.

Bates teve sucesso em transformar o time e duas décadas depois, o vendeu ao empresário russo Roman Abramovich, lucrando £ 18 milhões.

Bates fez o Chelsea superar as dificuldades e lucrou com isso. Mas será que Ronaldo lucraria se fizesse o mesmo com o Cruzeiro?

Para entender isso, vou ilustrar com o exemplo do Manchester United. É razoável dizer que este seja um time bem administrado.

A receita do Manchester nos doze meses encerrados em junho de 2021 foi de £ 494 milhões. Esta receita pode ser dividida em três grupos: 50% de direitos de transmissão de jogos, 30% de patrocínio e 20% de licenciamento e venda de produtos da marca.

Apesar de sustentar uma receita de quase meio bilhão de libras, suas despesas operacionais são superiores. Nos últimos quatro anos, três anos foram encerrados com prejuízo.

Quem investiu nas ações do Manchester nos últimos cinco anos fez um péssimo negócio. Teve muita volatilidade e hoje tem o mesmo valor que investiu há 5 anos. O mesmo ocorre se elevarmos o horizonte de investimento para uma década. Veja abaixo o gráfico com a evolução do preço das ações do Manchester na última década.

Evolução do preço da ação do clube Manchester United na última década
Evolução do preço da ação do clube Manchester United na última década. Fonte: Bloomberg - Michael Viriato

O valor de uma empresa é a soma do valor aos seus detentores de direitos, ou seja, credores e acionistas. Assim, o valor do Clube Manchester United hoje é de £ 2,4 bilhões, ou seja, menos de cinco vezes sua receita anual. Mas esta avaliação está sendo paga para um time supostamente já bem administrado e profissional.

Segundo o balanço anual do Cruzeiro, sua receita em 2020 foi de R$ 119 milhões, mas suas despesas operacionais são mais que o dobro deste valor. Esta receita caiu mais de 50%, pois o time caiu para a segunda divisão em 2019. No ano de 2021, estima-se que sua receita seja ainda menor.

Considerando o compromisso que Ronaldo fez de R$ 400 milhões para ser dono de 90% das ações do Cruzeiro, o valor de 100% das ações seria de R$ 444,4 milhões. Somando este montante à dívida de R$ 1 bilhão, chega-se ao valor para o clube de R$ 1,44 bilhão.

Logo, Ronaldo pagou pelo Cruzeiro cerca de 14 vezes a receita de 2021. Ou seja, quase três vezes superior à avaliação atribuída ao Manchester United pelo mercado.

Mesmo que Ronaldo consiga que o time recupere o lugar na primeira divisão, que multiplique sua receita atual por três e que consiga cortar os custos, ainda assim, teria se comprometido, proporcionalmente, com uma avaliação superior à do time inglês. Lembrando que comprar as ações do Manchester não foi um bom negócio na última década.

Assim, vem a segunda lição. Um investidor prudente não paga por um negócio mal administrado o valor justo se ele fosse bem administrado, pois, neste caso, estaria apenas antecipando ao vendedor todo o ganho que vai trabalhar para conseguir no futuro.

Portanto, considerando as premissas de um investidor prudente de diversificação e de margem de segurança no preço, não é possível afirmar que Ronaldo tenha feito um bom negócio. Mas, torcedores e credores podem continuar comemorando.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor

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