Organizações de apoio aos povos indígenas criticam a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) por não terem sido convidadas para debater o marco temporal em evento realizado com recursos públicos e apoio da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária).
Parte interessada, a CNA é contra a demarcação das terras indígenas.
O 36º Encontro Nacional da Justiça Federal aconteceu de 26 a 29 de outubro, no Hotel Iberostar, resort cinco estrelas na Praia do Forte (BA). A Ajufe incluiu uma "programação científica", mesa de debates sobre "Aspectos do Marco Temporal e seu julgamento pelo STF".
"Foi um erro grosseiro afastar os indígenas da discussão, incitando os juízes a enfrentar a decisão do Supremo Tribunal Federal", afirma o advogado Rafael Modesto, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Modesto diz que o evento "defendeu claramente a tese do marco temporal, que tem como objetivo impedir a demarcação das terras indígenas".
Ele considera preocupante o apoio financeiro do governo federal e do governo da Bahia.
O encontro obteve apoio da Multiplan (empresa de shoppings), do Grupo FarmaBrasil (empresas da indústria farmacêutica), e das três confederações nacionais (Agricultura, Indústria e Transporte).
Contou com patrocínio do governo federal, Caixa Econômica Federal e governo estadual (Secretaria de Turismo da Bahia).
"As organizações indígenas ficaram muito incomodadas com o fato de uma associação de juízes que operam o direito indígena ter organizado, dentro de atividade interna, uma mesa de debate sobre tema extremamente importante sem a participação de indígenas", diz Modesto.
"O evento da Ajufe sobre o marco temporal só demonstra como temos um longo caminho para percorrer na transformação de um Poder Judiciário menos desigual", afirmou nas redes sociais Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
"Juiz/desembargador que se manifesta contra a constituição, não entendeu o papel que exerce! O território é um direito!", Terena escreveu.
Marivelton Baré, presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), diz que "foi um grande absurdo, sobretudo querer pressionar por algo inconstitucional se tratando de uma classe interessada na exploração dos territórios indígenas".
"Foi um ato que repudiamos veementemente", afirma.
"O movimento indígena deve cobrar sempre o posicionamento do estado brasileiro. Como representantes de nossos povos, devemos buscar, até nas cortes internacionais se possível, garantir que não haja nenhum retrocesso aos direitos conquistados", diz Marivelton.
O programa oficial previa a participação de Rudy Maia Ferraz, diretor jurídico da CNA, na mesa-redonda sobre o marco temporal. Ele não compareceu e sua ausência não foi mencionada. Segundo Modesto, do Cimi, Ferraz "é um dos maiores defensores da tese do marco temporal".
O desembargador André Vasconcelos, do TRF-6, abriu os trabalhos dizendo que o presidente da Ajufe, juiz Nélson Alves, pediu-lhe "um contraponto à manifestação de Rudy Maia Ferraz".
Vasconcelos defendeu a possibilidade de superação do julgamento do Supremo pelo projeto de lei vetado de forma parcial. Criticou a ideia central do STF, que, a seu ver, não traduziria a realidade da sociedade. Vislumbrou uma inovação legislativa. Diante da segunda chance de rediscutir a matéria, propôs que os magistrados manifestassem sua opinião.
Alguns juízes criticam a Ajufe por aceitar patrocínio, condição que não foi prevista no edital.
Alegam que faltou transparência da Ajufe com os associados que pagaram para participar do evento e desconheciam que haveria patrocínio, para cobrir os gastos de hospedagem e transporte de autoridades e convidados.
Argumentam que essa prática reforça a pecha de que os magistrados são "vendidos", sendo que a massa dos associados nem mesmo toma conhecimento.
O blog enviou à Ajufe um resumo das críticas. A assessoria de imprensa informou que a entidade não vai se manifestar.
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