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Na minha aula, uso de ChatGPT é obrigatório, diz professor da USP

Para Luli Radfahrer, inteligência artificial ainda está no limite da ficção científica

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São Paulo

Professor associado da ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), Luli Radfahrer pesquisa há mais de 30 anos design digital e o impacto das tecnologias na sociedade.

O recente avanço da inteligência artificial tem sido um dos assuntos preferidos de Radfahrer. "Para provocar: todos falam sobre o alinhamento, mas alguém perguntou a opinião da AGI [inteligência artificial generativa, como o ChatGPT]? E se ela quiser que os humanos se alinhem a ela?", escreveu em seu perfil no LinkedIn.

No Twitter, o pesquisador tem descoberto inúmeras novas ferramentas de inteligência artificial que surgem diariamente. Isso o fascina.

Em sala de aula, diferentemente de outras iniciativas pelo mundo, Radfahrer diz que o uso do ChatGPT é obrigatório. "Eu não ganho tentando massacrar o aluno, eu ganho tornando ele um profissional melhor. E o ChatGPT fará isso", diz.

Montagem tem ilustrações com cores fortes e vibrantes, em estilo aquarela, de estudantes conversando com robôs em espaços como laboratórios e salas de aula
Ilustrações geradas pelo programa Dall-E, inligência artificial da OpenAI; o #Hashtag pediu a IA que gerasse imagens de estudantes e robôs em sala de aula - Dall-E/Hashtag

Radfahrer também vai contra a corrente ao não ser tão pessimista sobre o avanço da IA. "Os problemas virão nas áreas que não resolvemos direito, como deepfakes e redes sociais", afirma. "Ainda estamos no limite da ficção científica", completa.

Leia entrevista completa ao blog #Hashtag.


Devemos temer a inteligência artificial?
Quando o Google mapeou as ruas do mundo inteiro, todo mundo falou um monte de coisa e hoje é algo comum. Claro que as mudanças trarão problemas. Foi assim com o computador pessoal. Mas as consequências virão nas áreas que não resolvemos direito, como deepfakes e redes sociais. Qualquer passo além disso é como acreditar que a eletricidade iria acabar com o mundo. Inteligência artificial não tem agenda, não tem vontade própria, não evoluiu de um cérebro réptil como nós, não tem instintos primitivos.

Mas as máquinas não podem ficar mais inteligentes que o ser humano?
É capaz de a inteligência artificial ser mais inteligente que o homem, mas 90% do medo é infundado. O filósofo sueco Nick Bostrom fez algumas conjecturas interessantes. A máquina superinteligente pode aparecer em qualquer lugar, mas daí a achar que não vai ter nenhuma outra máquina inteligente capaz de detê-la é um erro. Uma comparação que tem sido feita é que os espanhóis chegaram no Império Inca e, com uma mistura de germes, armas e aços, conquistaram a civilização porque a turma do Hernán Cortés foi recebida como semideus. Não dá para achar que vamos nos comportar assim.

Estimativas indicam que a IA pode afetar mais de 300 milhões de empregos. Isso não é preocupante?
A inteligência artificial é muito útil no que eu chamo de trabalho mental/braçal. Costumamos dividir em trabalho mental e braçal, mas existem trabalhos mentais que são completamente braçais. Jornalistas perdem muito tempo com pequenas edições, formatações. Essas evoluções já aconteceram antes, como no caso do Imposto de Renda. O programa da Receita Federal fez muitos contadores perderem dinheiro. O Instagram tirou vaga de quem usava Photoshop. O Photoshop já havia feito o mesmo com laboratórios de fotografia. A tecnologia sempre eliminou empregos. O risco agora é que a inteligência artificial tire em outro nível. A Revolução Industrial levou 200 anos para levar as pessoas do campo para a cidade. As mudanças agora vão se dar em cinco anos. Vai ter uma onda de subemprego.

De que adianta estar todo mundo empregado em um subemprego? Mesmo que se melhore a qualidade do Uber, mesmo que se ganhe US$ 100 mil dólares por mês, ser motorista não é um trabalho humano, é um trabalho que em um mundo perfeito não deveria existir. Tanto que na Grécia Antiga o trabalho braçal era coisa de escravo, que não era cidadão. O cidadão filosofava, fazia parte da política e discutia cidadania. Ninguém sente saudades de quando as crianças trabalhavam nas fábricas. Eliminar subempregos é bom. Só que precisa vir acompanhado de uma valorização da educação e de uma mudança do modelo econômico baseado em crescimento absoluto e concentração de renda. Está acontecendo o final de um processo pós-industrial, que está levando a uma economia de informação, que precisamos rever.

Mas como fazer isso?
Precisamos pensar em como a inteligência artificial pode melhorar o trabalho que não dá para ser substituído. Alguns empregos como médicos, enfermeiros, cuidadores, professores primários, nunca serão substituídos. A inteligência artificial fará o papel de assistente. Existe uma estrutura profissional inteira que precisa ser repensada. Primeira coisa é repensar como é feita a estrutura de remuneração social. Porque alguns são bem pagos e outros mal pagos. Tem outros que podem ser automatizados. Um indivíduo sozinho que toma um monte de decisão estratégica pode ser substituído. Quem trabalha com pessoas, não. A IA vai adiantar esse processo. É necessário uma revisão social, melhorar treinamentos, algumas formações de carreira, para que possamos ter uma qualidade de vida que sustente a população toda.

Precisamos valorizar o indivíduo. Quando surgiu o Macintosh [computadores da Apple, em 1984], as agências de publicidade mandaram embora um monte de fotógrafos e ilustradores. Deveriam ter investido no cara que sabia desenhar.


Como você vê esses manifestos que surgem de tempos em tempos contra a inteligência artificial?
Esses manifestos são legais, o problema é que estão berrando "cuidado com essa bicicleta, pode quebrar o pescoço", mas o mais provável é que você seja atropelado. Pode ter algo, pode, mas estamos no limite da ficção científica. O mais provável é ter um mega bug que apague o sistema Amadeus e os aviões do mundo inteiro fiquem caóticos. É mais fácil ter um ataque ataque hacker violento como o que derrubou o NHS britânico.

Qual o lugar do Sam Altman [CEO da OpenAI] no mundo da tecnologia?
Sam Altman está mais para um Steve Wozniak do que para Elon Musk ou Steve Jobs. Ele é um habilitador. Ele fala de um jeito esperto. A regulação é ótima para o Sam Altman, porque a hora que regular ele já está na frente, impede que surja uma nova OpenAI. Ninguém é amador, ninguém está fazendo bondade. Vale a pena olhar as iniciativas, é alguém que trouxe uma tecnologia nova, alguém que tem um ideal bem claro, que pode gerar uma série de coisas bacanas. Mas ele não é uma ameaça.

Depois que surgiu o comércio eletrônico, vieram os habilitadores, como PayPal. Está muito no começo para ter uma figura central na inteligência artificial. Mesmo o Steve Jobs estava muito concentrado no Macintosh e só estourou com o iPhone em 2007. É muito cedo para propor novos mundos.


Como as big techs estão incorporando a inteligência artificial?
As big techs fariam uma enorme bobagem se não percebessem a força da IA. Seria como a fotografia digital, que a Kodak inventou e não entendeu a evolução. É o dilema de ter uma coisa que é poderosa, e decidir se abraça ou ignora. O Altman trabalha muito com a Microsoft. Antes disso, você não consideraria instalar o Bing no seu telefone. Imagina o marketing que o Altman não gera para a Microsoft. A inteligência artificial é uma tecnologia de progressão. Ela vai aumentar o que já temos. As empresas precisam correr atrás, senão vão ser engolidas.


Como você analisa o uso de ChatGPT em sala de aula ou no trabalho?
Em vez de proibir o ChatGPT, eu tornei obrigatório o uso da ferramenta em sala de aula. Se você não souber usá-lo está ferrado. Ele é aquele estagiário que acha que sabe tudo. Se você é jovem e tem esse estagiário, você pode produzir um trabalho melhor. Se em vez de me mandar duas páginas de um trabalho o aluno me mandar cinco, eu não quero saber qual parte foi feita por ChatGPT. Eu quero que seja um bom trabalho. O aluno vai aprender a editar o conteúdo do ChatGPT, vai aprender a ter uma leitura de nível muito mais alto do que tinha hoje. Eu não ganho tentando massacrar o aluno, eu ganho tornando ele um profissional melhor. Então é melhor usar como estratégia e não como picaretagem.

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