Normalitas

Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto

A volta da gripe (mas não aquela)

Após dois anos, relaxamento de medidas sanitárias favorece surtos de doenças infecciosas

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— Não sei se me acostumo.
— Eu, hein. Germes. Humanos. Eca.
— Imagina a volta do bafo. Do cuspe. Dos contágios!!
— Por via das dúvidas, vou seguir usando até o fim do verão.
— Grande novidade. Já deixei de usar faz tempo.
— Sou muy contra. E se vem a sétima onda?!
— Finalmente vou poder usar batom!!*

* comentários verídicos coletados com luvas e álcool em gel

Faltam menos de dois dias para que a máscara, ícone protetor da pandemia e talvez a ferramenta mais importante na prevenção da Covid-19, seja oficialmente abolida em espaços fechados na Espanha, depois de quase 2 anos de uso obrigatório.

Em muitos lugares, a transição para as bocas-escancaradas já é patente há semanas. Nas ruas, a máscara deixou de ser obrigatória em fevereiro, embora ainda seja possível ver muita gente resistindo com as ditas, mesmo sob o sol primaveril. Eu incluída.

***

O que nos aguarda na vida pós-pandemia//pós-máscara?

Segundo diversos epidemiologistas espanhóis, além de batons não-borrados, é de se esperar um aumento dos casos de doenças transmissíveis pelo ar como a gripe, a coqueluche e até viroses erradicadas como o sarampo.

Essas doenças infectocontagiosas, temporariamente silenciadas com as medidas preventivas adotadas durante a pandemia, começaram a dar as caras novamente nas últimas semanas, com o relaxamento da vigilância.

No caso da Espanha, volta à cena principalmente a influenza, com destaque (tímido, mas consistente, e por vários países da Europa) para o subtipo H3N2, uma cepa de gripe A que guarda parentesco com a que provocou a pandemia mundial de Hong Kong de 1968.

Arte sobre fotografia mostra manchas em teto misturadas com manchas de tinta
Sem título, Aniol Yauci (2022) - Aniol Yauci / Reprodução

"Quase não tínhamos gripe há alguns anos porque todo o espaço viral foi tomado pelo SARS-CoV-2, mas, agora que as infecções caíram, ela volta a ter um certo papel", explica Lorenzo Armenteros, porta-voz da Sociedade Espanhola de Médicos Gerais e de Família (SEMG).

Além do mais, diz, todas as patologias respiratórias estariam sendo mais acuradamente detectadas graças à melhoria nos sistemas de detecção aperfeiçoados durante a pandemia.

A VOLTA DA GRIPE

Em março deste ano, quando o inverno ainda fustigava nossos corpiños, os órgãos de controle epidemiológico espanhóis detectaram o primeiro surto de gripe influenza desde o início da pandemia, há exatos dois anos.

Veio tardiamente: em lugar do usual auge entre dezembro-janeiro, expandiu-se em março, quase no final do inverno, acompanhando o arrefecimento da sexta e mais recente onda de Covid espanhola.

Em algumas localidades, como Navarra, hospitalizações por gripe em março superaram as de Covid pela primeira vez desde 2020, embora ambas a "baixos níveis", segundo o governo local.

A gripe comum ressurgiu com especial força nas comunidades de Castilla y León e Catalunha, onde foi declarada epidêmica no fim de março, por superar os 50 casos por 100 mil habitantes.

Houve também aumento de casos em outras 9 comunidades autônomas. Em total, o Sistema de Vigilância de Gripe em Espanha (SVGE) detectou 4.168 casos de gripe entre janeiro e março, contra apenas 12 no mesmo período em 2021.

Segundo o diretor do Centro Nacional de Gripe, José María Eirós, a situação "é de normalidade". "Não vem aí uma pandemia de gripe; não há motivo para preocupação", afirmou.

Além do mais, a chegada das estações quentes e da vida outdoors prenuncia o fim das afecções respiratórias clássicas de inverno, cujo período de monitoração oficial costuma ir, na Espanha, de outubro a finais de março.

SARAMPO IMPORTADO

Com o relaxamento das medidas sanitárias pós-pandemia, até doenças erradicadas como o sarampo reapareceram na Espanha depois de uma quase absoluta ausência de dois anos.

Em Valência, por exemplo, foram identificados desde o início do ano pouco menos de uma dezena de casos de "sarampión", todos importados —um sinal da retomada da mobilidade entre fronteiras.

Para comparação, em 2019, haviam sido registrados 29 casos (todos também importados); em 2020, apenas um e, no ano passado, nenhum.

Neste caso, segundo a presidente da Sociedade Valenciana de Pneumologia, Eva Martínez, embora o uso da máscara durante a pandemia tenha ajudado, 99% do "mérito" seria da vacina.

MÁSCARA: AINDA É ÚTIL

Até que ponto o fim da máscara em ambientes fechados afetará a presença de doenças infectocontagiosas entre a população?

"Os vírus buscam sua possibilidade de se expandir e aparecem quando podem", resume Óscar Zurriaga, da Sociedade Espanhola de Epidemiologia, em entrevista ao jornal espanhol El Diario. "No caso da gripe e outros, demos poucas opções, porque as medidas que tomamos para a Covid-19 os afetaram".

Agora, a coisa é diferente. A retirada de medidas de proteção sanitária, "o relaxamento no uso da máscara e o aumento das interações sociais" promovem "as melhores circunstâncias para a expansão [da gripe e outras enfermidades] ", afirma Eirós, do Centro Nacional de Gripe.

Segundo Martínez, que também é chefe do serviço de Pneumologia do Hospital universitário Doctor Peset, de Valência, a máscara "foi muito importante, sobretudo para a gripe, que é uma enfermidade grave que, quando afeta pessoas idosas, leva a hospitalizações".

Ela apoia a decisão do governo espanhol de manter o uso da máscara em contextos específicos como o transporte público, centros geriátricos e hospitais. "É incômodo utilizá-la quando caminhamos ou fazemos exercício, mas em outros ambientes não custa tanto e nos protege muito", argumenta.

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