Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública universidade

Políticas de ação afirmativa 2.0

Uma década depois da introdução da Lei de Cotas nas universidades federais e da expansão do ProUni e do FIES, onde estamos no que diz respeito à inclusão dos grupos sub-representados nessa etapa de ensino?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guilherme Lichand

é professor de Educação da Universidade de Stanford. Possui PhD em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard

Maria Eduarda Perpétuo

É assistente de pesquisa do Centro de Economia do Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique. Possui mestrado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Ursula Mello

É professora de Economia da PUC-Rio. Possui PhD em Economia pela Universidade Carlos III de Madrid

Ana Paula Melo

É professora de Economia da Universidade de Howard (EUA). Possui PhD em Economia Aplicada pela Universidade de Wisconsin-Madison

Uma década depois da introdução da Lei de Cotas nas universidades federais e da expansão do ProUni e do FIES para permitir que alunos de baixa renda pudessem acessar o ensino superior privado por meio de bolsas ou empréstimos pagando só depois de formados, onde estamos no que diz respeito à inclusão dos grupos sub-representados nessa etapa de ensino?

Guilherme Lichand é professor de Educação da Universidade de Stanford; Maria Eduarda Perpétuo é assistente de pesquisa do Centro de Economia do Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique; Ursula Mello é professora de Economia da PUC-Rio; Ana Paula Melo é professora de Economia da Universidade de Howard (EUA)
Guilherme Lichand é professor de Educação da Universidade de Stanford; Maria Eduarda Perpétuo é assistente de pesquisa do Centro de Economia do Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique; Ursula Mello é professora de Economia da PUC-Rio; Ana Paula Melo é professora de Economia da Universidade de Howard (EUA) - Divulgação

A figura abaixo, retirada de estudo ainda inédito, ilustra o progresso recente no acesso ao ensino superior. Se até os anos 2000 praticamente nenhum homem ou mulher preto, pardo, indígena ou sem declaração de raça na faixa de 25 a 29 anos tinha diploma de ensino superior, nos últimos 20 anos vimos uma forte expansão do acesso entre esses grupos, chegando a 12.2% entre os homens não-brancos e 16.1% entre as mulheres não-brancas. Dito isto, a figura mostra que o acesso de homens e mulheres brancos, que já era muito maior nos anos 2000, aumentou pelo menos na mesma magnitude ao longo dos últimos 20 anos, preservando a lacuna racial no acesso ao ensino superior.

Baseado em Barham, Melo e Silva (em andamento) a partir de dados dos censos demográficos de 1960-2010 e da PNAD contínua de 2020 (4º trimestre). Não houve declaração de raça no censo de 1970. Brancos incluem também 'amarelos', que no Brasil possuem padrões educacionais extremamente similares aos primeiros. Indivíduos com cor ou raça não declarados não foram incluídos nos cálculos
Baseado em Barham, Melo e Silva (em andamento) a partir de dados dos censos demográficos de 1960-2010 e da PNAD contínua de 2020 (4º trimestre). Não houve declaração de raça no censo de 1970. Brancos incluem também 'amarelos', que no Brasil possuem padrões educacionais extremamente similares aos primeiros. Indivíduos com cor ou raça não declarados não foram incluídos nos cálculos - Divulgação

Analisando a evolução do acesso por Estado, e mesmo na população entre 18 e 21 anos (para a qual esses dados poderiam mudar mais rápido), a história é ainda mais dramática. No Rio de Janeiro, a porcentagem de mulheres não-brancas no ensino superior caiu 0.5 ponto percentual entre 2010 e 2019. Entre os homens não-brancos, a participação no ensino superior caiu em seis Estados ao longo desse período. No Pará, enquanto a porcentagem de homens não-brancos no ensino superior caiu quase 1 p.p., aquela de homens brancos aumentou quase 7 p.p.!

Apesar da Lei de Cotas ter levado à maior participação de não-brancos de escola pública nas universidades federais e nos cursos de maior retorno no mercado de trabalho, como apontam estudos recentes (Mello, 2022, "Affirmative Action, Centralized Admissions and Access of Low-income Students to Higher Education"; Barahona, Dobbin e Otero, 2022, "The Equilibrium Effects of Subsidized Student Loans"), a figura acima sugere que reservar vagas na universidade pública e financiar o ensino superior privado não foi suficiente para de fato diminuir disparidades raciais de acesso ao ensino superior como um todo. Ao mesmo tempo, estudo recente (Lichand, Perpétuo e Soares, 2023, "An Education Inequity Index") documentou que mesmo quando homens e mulheres não-brancos concluem o ensino superior, seu prêmio salarial é cerca de metade daquele de brancos com o mesmo diploma.

Desenhar a segunda geração dessas políticas exigirá entender quais as limitações de sua versão 1.0, e o que outros países que já passaram por esse momento estão fazendo de acertado. A evidência científica tem mostrado que não basta assegurar as portas de entrada para a universidade, é preciso também apoiar os alunos de grupos sub-representados na escolha do curso e da instituição, bem como apoiar sua jornada universitária – muitas vezes prejudicada pelo currículo invisível que não está acessível para quem é o primeiro da família a cursar ensino superior, incluindo a escolha de disciplinas, orientação de estágio, construção de redes de contatos profissionais até a construção de plano de carreira.

Outros países têm também sofisticado os filtros para desenhar essas políticas – que podem ter peculiaridades regionais. Mulheres não-brancas no Sudeste do país podem precisar de políticas diferentes do que homens não-brancos no Norte e Nordeste (e mesmo em diferentes Estados na mesma região).

O Brasil tem excelentes bases de dados administrativos conectando ensino superior a trajetórias futuras. Resta desenhar políticas informadas por esses dados para de fato apoiar oportunidades menos desiguais.

O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida pelo quarteto foi "Cota não é esmola", de Bia Ferreira.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.