Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Um pouco do que já se sabe sobre a lei de cotas no Brasil

Ela tem sido essencial para combater a exclusão de pessoas negras

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Alei Santos

É doutorando em economia na escola de economia de São Paulo, membro da Rede de Economistas Pretas e Pretos e pesquisador do FGV EESP Clear

Uma das mais controversas políticas públicas completou dez anos em 2022. Estamos falando, evidentemente, da lei 12.711/2012, que instituiu a política de cotas. De acordo com ela, a partir de 2015 todas as universidades federais deveriam reservar no mínimo 50% das vagas em cada um dos seus cursos para alunos provenientes do sistema público de ensino. Dentro destes 50%, mais algumas restrições são feitas de acordo com o perfil racial de cada estado e condições socioeconômicas dos alunos.

Ainda hoje existem argumentos contrários não somente à existência das cotas, mas ao seu desenho, principalmente com críticas em relação ao seu componente racial. Frequentemente, se justifica esta dimensão das cotas com argumentos de reparação histórica, uma vez que a condição atual dos negros na sociedade está diretamente ligada ao passado escravocrata brasileiro. Escolhi trazer outros dois pontos que, a meu ver, são importantes de serem considerados ao se avaliar a política de cotas e seu desenho atual.

Alei Santos, membro da Rede de Economistas Pretas e Pretos e pesquisador do FGV EESP Clear
Alei Santos, membro da Rede de Economistas Pretas e Pretos e pesquisador do FGV EESP Clear - Divulgação

O primeiro é que, mesmo entre os mais carentes, a população negra parece estar em desvantagem em relação à população branca. Em texto publicado nesta mesma coluna, foi discutido o fato de que a mobilidade intergeracional, já pequena na sociedade brasileira, é ainda menor entre os pretos e pardos. Já um estudo feito por pesquisadores da USP mostra que professores de escola pública têm um viés negativo ao dar notas para alunos. Esses dois fatos trazem argumentos, entre outros tantos que podem ser elencados, que reforçam a necessidade da existência da dimensão racial na política de cotas brasileira.

O segundo ponto é que existem benefícios além da reparação histórica que devem ser levados em conta ao analisar as cotas. Ao se pensar os efeitos dessa política, temos de levar em conta que ela gera benefícios, para aqueles que entraram em uma universidade pública devido à política, e malefícios, para aqueles que deixaram de ingressar na mesma instituição. Uma dissertação de mestrado em economia da USP analisa o programa de direito da UERJ e mostra que aqueles que foram beneficiados têm uma chance substancialmente maior de serem aprovados no exame da OAB quando comparados a cotistas que não passaram no vestibular. Já os que deixaram de ingressar na UERJ não apresentam diferença na taxa de aprovação quando comparados a outros não cotistas que de fato ingressaram na UERJ, indicando que estes acessaram o ensino superior de qualquer maneira.

Outro argumento usado contra as cotas é que esta substituiria alunos mais preparados ou por estudantes de escola pública com uma condição socioeconômica mais elevada —que poderiam acessar o ensino superior mesmo sem as cotas—, ou por alunos que não estariam aptos para cursar o ensino superior, diminuindo a taxa de graduação. Estudos feitos para universidades que tinham uma política de cotas antes da lei federal, como UFBA, UNB e Unicamp, mostram que este não parece ser o caso. Além disso, um estudo nacional mostra que, enquanto a política de entrada unificada pelo Sisu parece ter diminuído as chances de ingresso de estudantes em desvantagem socioeconômica em universidades públicas, a lei de cotas age em sentido contrário, mais do que compensando esta perda.

Todos esperamos viver um dia em um Brasil em que a política de cotas não seja mais necessária e certamente ainda existem diversos impactos dessa política pública que precisam ser melhor entendidos e avaliados. Enquanto isto não acontece, me parece evidente que ela vem fazendo mais bem do que mal ao povo brasileiro e tem sido essencial para combater a exclusão reiterada de pessoas negras das diversas elites do nosso país.

O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Alei Santos foi "Toda Sexta-feira", de Attoxxa e Adriana Calcanhoto.

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