Praça do Leitor

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Adivinha quem está falando?

'Não tenho luz própria, confesso, mas sou vida, dou vida e não cobro nada', diz leitor em poema

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Jaime Pereira da Silva

Prestem atenção: vou falar bem rapidinho, porque não posso parar um instante sequer

Apesar da minha idade avançada, ainda rebolo, danço e deslizo vertiginosamente no silencioso vácuo

Dia e noite rodopio no palco giratório das minhas rotações e translações (chego a sentir tonturas)

Não tenho luz própria, confesso, mas sou vida, dou vida e não cobro nada

Às vezes causo terremotos, maremotos, tsunamis (desculpem, não é por mal, faz parte do meu espreguiçar)

Não sei da minha origem, tampouco como tudo começou...

Só sei que já fui quente demais, gelada demais, um pandemônio (nem eu mesma me suportava)

Mas hoje estou bem mais tranquila, já encontrei o equilíbrio e a minha maturidade (já era hora)

Há milhões de anos surgiram vocês, como quem não quer nada

Tão instintivos no começo, tão inocentes (escondiam os dentes, seus devastadores)

Dizem que foi Deus quem os criou e até se arrependeu ("Vou afogar todos os seres viventes", disse o mestre antes do dilúvio)

E Noé achou graça da divina ingenuidade do Senhor

E com a Arca vocês ganharam uma nova chance, uma nova vida

E hoje já passam de oito bilhões de almas em conflito permanente

Não quero jogar-lhes na cara, mas tudo o que vocês comem, bebem e vestem provém do meu corpo cada vez mais exaurido

Até os seus sonhos são embalados em meu berço flutuante. Quanta mordomia, seus ingratos!

Mas vejam bem: esses dias ouvi dizer que vocês estão procurando um outro planeta para morar (Marte me contou, aquele linguarudo)

Não tem problema, vão em paz. Não vou sentir a mínima falta, nenhuma saudade

Vão com Deus, desejo que sejam felizes em outro lugar do Universo

Contento-me em ser a primeira mãe, sempre grávida, parindo sem cessar, sem cansar

Mas dou um último aviso: parem de disputar o que já pertence a todos

Não haverá herança se continuarem a me maltratar (A herança sou eu, se me entendem)

Quanto menos tirarem de mim, mais ricos ficarão

E poderemos permanecer mais tempo juntos

Embora eu não faça a mínima questão

Podem ir em paz, insisto

Não vou deixar cair um pingo de lágrima

As águas que derramo agora

São as chuvas que sempre chorei

Terra vista do espaço ao lado da Lua
Terra vista do espaço ao lado da Lua - Pixabay

Jaime Pereira da Silva é jornalista.

O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br

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