Que imposto é esse

Reforma tributária para leigos e especialistas; com apoio de Samambaia.org

Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu Folhajus Congresso Nacional

Como as bancadas da Bíblia, da bala e do boi saíram vitoriosas na reforma tributária

Igrejas ampliam imunidade, armas serão desoneradas e agronegócio tenta garantir benefícios

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São Paulo

As igrejas, a indústria de armamentos e o agronegócio obtiveram diversas vitórias na reforma tributária, promulgada pelo Congresso Nacional no final de 2023. A expectativa é de redução na carga tributária sobre esses grupos com as mudanças no sistema de tributação que entram em vigor, na sua maior parte, a partir de 2026.

Algumas dessas alterações já terão efeitos neste ano. Entre elas, a ampliação da imunidade tributária das igrejas contra a cobrança de impostos federais, estaduais e municipais, incluindo o IPTU (imposto municipal sobre imóveis).

A redação anterior da Constituição falava em imunidade para templos de qualquer culto, ou seja, só alcançava a entidade principal. A Carta foi alterada para incluir também "suas organizações assistenciais e beneficentes", o que estende o benefício para além dos muros da igreja.

A mudança foi um pedido da bancada evangélica, grupo que reúne cerca de 130 deputados e prometeu apoio à reforma em troca da mudança —promessa parcialmente cumprida.

Os presidentes da República, do Senado e da Câmara seguram o texto da emenda constitucional, ao lado de parlamentares
Sessão solene no Congresso destinada à promulgação da reforma tributária - Xinhua-20.dez. 2023/Lucio Tavora

As igrejas sempre consideraram ter direito a essa imunidade ampliada, mas esse não era o entendimento da Justiça, da Receita Federal e de muitos municípios. Daí a ideia de alterar a Constituição.

A bancada da Bíblia também conseguiu isenção na transmissão de bens feita por entidades religiosas. Esse ponto depende de regulamentação e há a possibilidade remota de se impor exigências ao benefício, que envolve o ITCMD, tributo estadual sobre heranças e doações.

Durante a reforma, houve tentativa de isentar a compra e venda de bens, serviços e patrimônio, como a aquisição de carro por religiosos, mas esse ponto não prosperou.

Ainda assim tramita na Câmara outra emenda à Constituição, que amplia a imunidade para impostos sobre serviços e patrimônio.

Tributação menor para armas e munições

Outro grupo, a chamada bancada da bala, conseguiu retirar da reforma o trecho que definia uma tributação adicional sobre armas e munições com o chamado imposto seletivo, mesmo sem o apoio do governo. Pela proposta original, apenas o armamento destinado ao poder público ficaria sem esse tributo.

A mudança foi proposta pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e passou nos últimos minutos da votação na Câmara, na noite da sexta-feira 15 de dezembro, quando parte dos parlamentares governistas já estava desmobilizada. A maioria dos deputados votou pela taxação, mas o quórum não chegou ao mínimo necessário de 308 parlamentares por uma margem de apenas 15 votos.

O imposto seletivo é um substituto do IPI, tributo sobre produtos industrializados fixado em 55% para armas e 25% para munições, segundo decreto federal publicado no ano passado.

Pelo texto aprovado, o seletivo ficará agora restrito basicamente a "bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente". Seria necessário enquadrar armamentos nessa categoria, durante a regulamentação da reforma, para garantir a taxação adicional.

O seletivo também iria compensar a redução de outro tributo para armamentos. O ICMS estadual, que é de 37% no Rio e 25% em São Paulo, por exemplo, dará lugar a partir de 2028 ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), com alíquota geral estimada em cerca de 18%.

Sobre as armas incide ainda o PIS e a Cofins, tributos que serão substituídos em 2027 pela CBS (contribuição federal sobre bens e serviços), que deve ficar próxima do patamar atual, de 9,25% no regime não cumulativo.

A tributação adicional de armas poderia reduzir a alíquota geral dos novos tributos para outros bens e serviços, como lembrou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) ao defender a medida no dia da votação.

"Não justifica reduzir o imposto sobre armas e aumentar para serviços, para alimentação etc. A compra de armas tem [atualmente] uma carga superior, portanto é uma recomposição de alíquota", afirmou.

A oposição defendeu a mudança com o argumento de que a manutenção da carga iria privar pessoas "qualificadas" e "homens de bem" de ter acesso a armas para defesa pessoal e que o imposto maior seria uma questão "ideológica".

Benefícios para o agronegócio

A maior bancada temática do Congresso, a do agronegócio, também conseguiu emplacar uma série de benefícios na Constituição.

Alguns já estão garantidos, como a isenção de CBS e IBS para o produtor rural, pessoa física ou jurídica, que obtiver receita anual inferior a R$ 3,6 milhões, atualizada anualmente pela inflação. É uma situação melhor que a das empresas do Simples Nacional, que têm tributação reduzida (mas não isenção) e com teto sem atualização garantida.

Outros benefícios ao agro dependem da regulamentação da reforma que será feita neste ano. Por exemplo, a definição de "produtos destinados à alimentação humana que comporão a Cesta Básica Nacional de Alimentos" e terão alíquota zero.

Também neste ano o Congresso vai decidir quais produtos terão redução de 60% nas alíquotas de CBS e IBS (valor total próximo de 10%). Serão selecionados, por exemplo, alguns alimentos destinados ao consumo humano, uma lista de produtos in natura e de insumos agropecuários e aquícolas.

Pelo texto constitucional, os produtos beneficiados com redução de alíquota ou isenção também ficam livres do imposto seletivo. Mesmo que façam mal à saúde ou ao meio ambiente, como alimentos ultraprocessados ou agrotóxicos.

As listas serão propostas pelo governo federal, mas valerá aquilo que for aprovado pelo Congresso, onde as bancadas da Bíblia, da bala e do boi podem novamente ter protagonismo.

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