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Políticas de saúde no Brasil em debate

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Como os cortes no orçamento podem afetar a Estratégia de Saúde Digital do Brasil?

Cortes podem adiar o amadurecimento e os benefícios da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil

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Manuela Martins Costa Maria Letícia Machado Victor Nobre

A saúde digital é pauta aquecida no meio acadêmico, assistencial e econômico. No nível global, o setor arrecadou US$ 10,3 bilhões no primeiro semestre de 2022 e só no Brasil existem hoje 1.023 healthtechs no mercado. Essa ênfase se deve às necessidades impulsionadas pela pandemia de COVID-19, acompanhadas, no nível local, pela nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pelas tratativas para a expansão e normatização da telessaúde e pela perspectiva da chegada do 5G.

A promessa de que as novas tecnologias promoverão a integração de informações, a redução de desperdício e a melhoria na experiência de cuidado das pessoas é um objetivo que, para ser alcançado, depende de uma série de acordos prévios que necessitam estar apoiados em uma estratégia robusta e financeiramente sustentável. A Estratégia de Saúde Digital do Brasil (ESD28), publicada pelo Ministério da Saúde em 2020, sistematiza o que podemos esperar em termos de saúde digital para os próximos oito anos, tendo como prioridades, dentre outras, a garantia de informatização e da troca de informações entre os estabelecimentos de saúde.

Embora existam esforços para o avanço do debate sob o ponto de vista normativo - uma vez que a ESD28 representa um conjunto de intenções baseadas na experiência nacional e alinhadas com o que propõem os casos de países que conseguiram atingir resultados de sucesso - , a materialização da Estratégia carece ainda da definição de metas pragmáticas e de aportes financeiros para a sua execução.

Aplicativo ConecteSUS Cidadão - Foto: Divulgação

No Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde de nº 01, noticiamos que no Projeto de Lei Orçamentária para 2023, as ações orientadas ao custeio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e ao fomento da saúde digital e da telessaúde no SUS têm previsão de queda, de R$ 206 milhões (- 60%) e R$ 26 milhões (- 63%), respectivamente. Os cortes no orçamento colocam em risco avanços já conquistados, como a implantação de prontuário eletrônico gratuito na Atenção Primária à Saúde, que permite a integração das informações de saúde, e do aplicativo ConecteSUS Cidadão, que disponibiliza serviços importantes como a certificação nacional de vacinação. As ações de inovação, pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde, por sua vez, também apresentam previsão de queda de R$ 297 milhões (-65,7%), corroborando para as expectativas pessimistas sobre avanços na área.

Além do volume de recursos disponíveis, é importante analisar como se faz a gestão do orçamento. Um estudo dedicado a quantificar a velocidade de difusão de inovação, comparou a Finlândia e a Alemanha e demonstrou que na Finlândia, onde houve um processo coordenado pelo Estado, prontuários eletrônicos foram mais rapidamente adotados do que na Alemanha, onde as forças de mercado quase livres conduziram a adoção sem o fomento de uma política. No contexto brasileiro, a despeito da governança da ESD28 estar centralizada no DATASUS, se tratando de um projeto de escalabilidade complexa, em um país de dimensões continentais, um passo importante seria ajustar o plano de ação da Estratégia para que o Departamento seja capaz de liderar uma equipe para além de suas fronteiras e assim alcançar todas as regiões do país.

O corte de investimentos sem uma saída de contingência transparente e justificada aponta para um processo de amadurecimento e de colheita de resultados da ESD28 mais demorado do que os oito anos almejados pelo Ministério da Saúde.

Manuela Martins Costa, Maria Letícia Machado e Victor Nobre

Pesquisadores do IEPS

O projeto-piloto de informatização no estado de Alagoas é um exemplo concreto de como o recebimento de recursos de custeio-implantação, por si só, não se reflete em uma informatização acelerada. Antes se faz necessário o mapeamento de necessidades locais e o preparo da força de trabalho para encarar os desafios de operacionalização. Pensando na ESD28, de maneira mais ampla, em um cenário ideal, o orçamento deveria estar sendo direcionado para a alocação de equipes capilarizadas para apoiar estados e municípios na implantação e no uso das tecnologias disponíveis, estimulando interoperabilidade e agilidade.

Entretanto, o corte de investimentos sem uma saída de contingência transparente e justificada aponta para um processo de amadurecimento e de colheita de resultados da ESD28 mais demorado do que os oito anos almejados pelo Ministério da Saúde. O que podemos prever como consequências diretas são o atraso na qualificação dos serviços de saúde, dado que estudos já demonstram o quanto profissionais e usuários tendem a ganhar com intervenções mediadas por ferramentas digitais; e uma tendência de maior fragmentação do Sistema de Saúde, pelo descompasso tecnológico que sugere que a saúde digital avançará mais rapidamente na saúde privada do que na saúde pública.

Manuela Martins Costa é consultora em saúde digital do Programa TechSUS no IEPS; Maria Letícia Machado é Gerente do Programa TechSUS no IEPS; e Victor Nobre é Assistente de Políticas Públicas no IEPS.

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