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Diabetes: informatização do SUS pode contribuir para o rastreio e manejo da doença

Conectividade na Atenção Primária garante melhores ações de vigilância e controle de doenças crônicas

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Júlia Pereira Sara Tavares Maria Letícia Machado

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) são responsáveis pela morte de 3 a cada 4 brasileiros anualmente. Com o envelhecimento populacional acelerado e os impactos decorrentes da pandemia de Covid-19 no sistema de saúde e na rotina da população, a incidência dessas doenças tende a aumentar, tornando o enfrentamento delas uma necessidade urgente. Para confrontar esse cenário é imprescindível fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS), com foco especial no aprimoramento do sistema de vigilância das DCNTs e seus fatores de risco. Nesse contexto, a ampliação da digitalização da APS e a integração das informações dos usuários em todos os níveis de atenção à saúde surgem como importantes aliados.

No Brasil, o Diabetes Mellitus (DM) é uma das DCNTs com maior incidência. Trata-se de uma síndrome metabólica decorrente da dificuldade do corpo em produzir a insulina, hormônio que regula a glicose no organismo. Não à toa o dia 26 de junho é dedicado à conscientização do diabetes no país, já que o Brasil ocupa o 5º lugar em incidência da doença, segundo a edição mais recente do IDF Diabetes Atlas. Estima-se que há 16,8 milhões de brasileiros adultos convivendo com o diabetes (20 a 79 anos), sendo que um terço deles ainda não foi diagnosticado. Nas capitais, em 2021, aproximadamente 8,7% da população apresentava diabetes e as projeções indicam que o número de brasileiros com a doença deve aumentar mais de 25% entre os anos de 2020 e 2025. Segundo, resultados do Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), a incidência de diabetes entre os brasileiros teve uma leve piora após a pandemia de Covid-19.

Mão branca com um pouco de sangue no dedo indicador e uma aparelho medidor de insulina ao lado.
O Brasil é o 5º país do mundo com maior incidência de diabetes, segundo o IDF Diabetes Atlas. - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A desigualdade na capacidade das pessoas se prevenirem e conviverem com as DCNTs é muito presente, principalmente em países de baixa renda. Os altos custos dos medicamentos, a necessidade da adoção de dietas específicas e a dificuldade em se manterem fisicamente ativas são problemas enfrentados pela população desses países. A Nota Técnica nº 25, elaborada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), apontou que no Brasil, apesar da prevalência de diabetes ter permanecido estável entre 2010 e 2020, a incidência de obesidade, fator de risco para o seu desenvolvimento, nas capitais aumentou de 11,8% em 2006 para 21,5% em 2020. Considerando a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), o caminho para reduzir a prevalência de diabetes passa por implementar as linhas de cuidado de DCNTs na Atenção Primária à Saúde, isto é, fluxos assistenciais que garantam o atendimento às necessidades reais dos usuários, saindo de um modelo que remedia doenças, para um modelo que é capaz de prever riscos, desfechos e prevenir complicações agudas. Isso significa oferecer um atendimento integral e contínuo, com medidas de promoção da saúde, prevenção de doenças e gerenciamento dos casos já diagnosticados.

De acordo com o Panorama IEPS sobre o tema, em 72% dos casos de DCNTs diagnosticados, os pacientes só descobriram que sofriam de alguma condição crônica após o surgimento dos primeiros sintomas. A maioria dos portadores de DCNTs não é acompanhada, e, nesse cenário, apenas 10% dos diabéticos recebem pedidos de exames de hemoglobina glicada.

Informatização da Atenção Primária pode garantir ações mais eficazes de vigilância e controle de doenças crônicas

Para organizar o trabalho seguindo um plano de cuidado, garantindo o número mínimo de consultas e a realização de exames preventivos, é necessário que as informações sobre esses pacientes estejam adequadamente cadastradas e compartilhadas entre os diferentes níveis de atenção. Pouco adianta o atendimento de pessoas com complicações relacionadas à diabetes no nível hospitalar e ambulatorial especializados, se não houver a contrarreferência e o compartilhamento de informações clínicas sobre esses pacientes com a Atenção Primária, que tem o papel de acompanhamento contínuo desses pacientes.

O livro "Desafios da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028", uma produção do IEPS que será lançada na próxima quarta-feira (28/06), mostra que nos últimos três anos, houve um avanço da informatização e da conectividade nas unidades básicas de saúde, resultado dos esforços do Programa Informatiza APS , ainda que diante de um cenário de desigualdades territoriais. Em 2022, 71,56% dos municípios brasileiros possuíam Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) ou sistema próprio implementado, e 49,21% tinham o PEC totalmente implementado.

Apesar dos avanços observados, ainda existem pontos frágeis do processo de expansão da informatização que afetam diretamente as linhas de cuidado de DCNTs e demais serviços na rede de saúde. Mudanças de gestão que acarretam a descontinuidade de processos e a dificuldade de integração completa entre as diferentes fontes e sistemas de informação em saúde são problemas que prejudicam a oferta do cuidado integral. Principalmente para o efetivo acompanhamento das doenças crônicas, que dependem que as informações sobre o estado de saúde do paciente estejam integradas em todos os níveis da rede.

Por fim, ainda que ocorra a completude da informatização da APS e da integração entre os sistemas, não será possível realizar a busca ativa de pacientes no território e nem planejar adequadamente o serviço da atenção básica se não houver produção de evidências por parte do Ministério da Saúde. Essas evidências são primordiais para que ocorra a coordenação de uma estratégia, em nível nacional, de controle das DCNTs. Entre as estratégias existentes de produção de evidências, temos o Vigitel, pesquisa que monitora a frequência e a distribuição de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis e que ocorre há 16 anos. Contudo, em 2020 e 2021, os dados dessa pesquisa foram coletados com atraso. De acordo com informações apresentadas pelo Ministério da Saúde via Lei de Acesso à Informação, o Vigitel 2022 também sofreu atraso e adaptações na metodologia de coleta, em comparação aos anos anteriores, e até o momento ainda não foi divulgado. O Ministério até o momento ainda não bateu o martelo sobre como será a nova metodologia da pesquisa, que tinha como base a utilização de telefones fixos.

Logo, a efetiva integração dos sistemas de informação do SUS e a contínua vigilância das DCNTs e seus fatores de risco são primordiais para o efetivo acompanhamento e controle do diabetes no Brasil.

Julia Pereira é Analista de Relações Institucionais do IEPS. Maria Letícia Machado é Gerente do Programa TechSUS do IEPS; e Sara Tavares é Analista de Políticas Públicas do IEPS.   

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