Vida de Alcoólatra

O silêncio mortal da bebida

Vida de Alcoólatra - Alice S.
Alice S.
Descrição de chapéu saúde mental

Infelizmente, o suicídio já fez parte do meu vocabulário um dia

Estamos no Setembro Amarelo e hoje estou bem; o segredo para não sucumbir é estar rodeada de gente que se importa

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"Não é fácil achar um caminho, mas é possível, Alice", me diziam meus médicos em épocas difíceis e regadas a bebida. Em determinados momentos tudo parecia conspirar para dar errado. E dava —na minha cabeça, pelo menos. Muitas vezes eu não via nenhuma saída, e infelizmente a palavra suicídio um dia já fez parte do meu vocabulário.

Digo isso porque estamos no Setembro Amarelo. Já foi mais tabu falar sobre o suicídio, mas hoje me parece que o tema é mais discutido. Nesse mês de consciência à prevenção do suicídio, preciso dizer que hoje estou vivendo bem, depois de anos de muito desamparo. A bem da verdade, bem-estar, para uma pessoa como eu, é uma condição oscilante.

Ansiedade, medo, transtornos me atormentam ao longo de muitas fases, mas tenho certeza de que o segredo para não sucumbir é estar rodeada de gente que quer meu bem e que se importa quando olha para mim e percebe que algo não vai lá tão bem. Estar cercada de amigos mas também contar com o auxílio de profissionais da saúde. Cuidar da mente é fundamental para tudo, estão aí tantas matérias e estudos científicos que comprovam isso.

Muitas pessoas como eu com frequência acham que a vida é pura escuridão. Que a tristeza tomou conta de tal forma que não tem mais o que fazer, mesmo sendo tão jovem. A cabeça de fato pode voar para lugares sombrios. Amigos ajudam, trabalho ajuda, mas o difícil é sair da própria dor. Participar de grupos e compartilhar a angústia pode ser uma boa saída.

silhueta de garrafa de vinho vermelha em fundo preto, com uma mulher fazendo rapel dentro da garrafa em direção ao topo
'O começo de tudo foi me livrar do álcool, e com isso conquistei uma esperança para viver melhor' - Catarina Pignato/Folhapress

A minha vontade muitas vezes é paralisada por dores que vêm de um lugar quem nem sempre permite ser acessado. É necessário tempo e paciência. Não preciso sentir culpa e sei que não estou sozinha em passar por esses questionamentos. As tormentas são várias. No meu caso, com o álcool, foram inúmeras. Como já contei aqui, meu quadro vai além do alcoolismo e passa por uma depressão que me acompanha há muito tempo. Saber lidar com ela é o grande desafio, não tem por que sentir vergonha em falar disso.

A vida fora do meu quarto também não ajuda, basta ler os noticiários, com tantos acontecimentos brutais que fogem ao nosso controle. A vida é uma sucessão de acontecimentos imprevisíveis. Lidar com eles requer calma.

Outro dia reli meus posts. E percebi que o que eles têm em comum é que querem mostrar aos que se sentem sozinhos nessa dor que eles não são os únicos. Muita gente luta para simplesmente levantar da cama. É preciso encarar esses desafios. E que a guinada para sair do que nos parece um beco sem saída é por aí.

Um remédio que funciona para mim são os exercícios que faço quase todo dia. Outro grande aliado é meu cachorro. Ele é tão feliz, sorri quando eu chego em casa ou quando o levo para passear. Fazer musculação é chato mas é bom, cuidar da alimentação também é um antídoto para a dor da alma. Os cuidados devem ser corriqueiros e constantes. Assim como chegam pensamentos ruins, vêm outros bons.

Quando saio na rua e vejo gente conversando, gente com criança, gente com seus animais, gente passeando com gente mais velha... E de uma hora para outra estou mais feliz. Não penso mais em desistir, só em tentar mais uma vez. As tentativas podem ser desastrosas, é verdade, mas elas servem para dar risada, são pequenos desastres pessoais que têm lá sua graça.

O começo de tudo foi me livrar do álcool, e com isso conquistei uma esperança para viver melhor, mais feliz. Essa liberação da dependência me deu perspectiva para sonhar dias melhores e enfrentar dias piores. Há esperança em tudo que faço. Hoje sei se estou bem ou ruim, e por que estou de um jeito ou de outro. E isso é o mais importante. Ter consciência. Cuidar da saúde, me alimentar bem e sobretudo falar o que sinto. Me liberta e me ajuda a encontrar quem também passa por questionamentos como os meus.

Não tenho dúvida de que não escolhi ser a sofredora de plantão, nem a possível perdedora. Às vezes, como disse, é preciso recuar. Olhar para os meus limites. Para depois avançar melhor, mais feliz. Mais plena de mim. Viver com o álcool é viver pela metade, sem encarar o que vem pela frente, sem saber cuidar dos que me cercam ou de mim mesma.

Seguir em frente, sempre. Hoje é meu lema. Não estou mais sozinha na dor, nem você deve estar. Procuremos sempre ajuda para afugentar nossos demônios. Há saída. Acredite.

*

Onde buscar ajuda

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188, por chat, via email ou diretamente em um posto de atendimento físico.

NPV (Núcleo de Prevenção à Violência)
Os NPVs são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

Pronto-Socorro Psiquiátrico
Ideação suicida é emergência médica. Caso pense em tirar a própria vida, procure um hospital psiquiátrico e verifique se ele tem pronto-socorro. Na cidade de São Paulo, há opções como o Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo, o Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya.

Mapa da Saúde Mental
O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos, além de ações voluntárias realizadas por ONGs e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.

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