Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Colorado abre as portas da percepção pública sobre psicodélicos

Conferência marca reabilitação de drogas; descriminalização não expandiu consumo

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Página do congresso Psychedelic Science 2023, em Denver (Colorado)
Página do congresso Psychedelic Science 2023, em Denver (Colorado) - Reprodução

No próximo dia 19 começa em Denver, Colorado, a maior conferência já realizada sobre substâncias alteradoras da consciência: Psychedelic Science 2023. Dificilmente se encontraria lugar mais apropriado para a quarta edição do evento, que deverá reunir mais de 10 mil pessoas.

O estado no Oeste americano não é tão pioneiro quanto Oregon, onde centros de serviços começam neste ano a oferecer sessões legais com cogumelos Psilocybe. O Colorado ainda trabalha em sua regulamentação, que em alguns aspectos vai além –e já colhe resultados contra a percepção de que psicodélicos representam risco para segurança e saúde públicas.

Denver foi a primeira cidade dos EUA e descriminalizar a psilocibina (composto psicoativo daqueles fungos) por iniciativa popular. Dezenas de outras municipalidades, condados e estados estão seguindo o exemplo. Oregon saiu na frente com um referendo em 2020, sucedido pelo Colorado em 2022.

O movimento, similar ao que consagrou a maconha medicinal, avança na esteira de resultados de pesquisa científica atestando o potencial dos psicodélicos para tratar distúrbios mentais. Depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e dependência química –inclusive alcoolismo– figuram entre os alvos mais promissores. Austrália e Canadá já deram passos para facilitar o uso terapêutico.

No Oregon, a nova lei permite apenas cogumelos da espécie Psilocybe cubensis em centros cadastrados. A legislação aprovada no Colorado prevê a inclusão subsequente de outras substâncias psicodélicas, como mescalina e ibogaína.

Antes de finalizar as normas para credenciar facilitadores, centros de serviço, produção e testagem, porém, o Colorado já descriminalizou em 4 de janeiro passado a posse e a troca dos psicodélicos psilocibina, dimetiltriptamina (a DMT da ayahuasca), ibogaína e mescalina.

No Oregon houve descriminalização ainda mais abrangente, envolvendo drogas como cocaína e heroína, mas só em pequenos volumes. E a pessoa ainda será citada na esfera civil e receberá multa de US$ 100. Opcionalmente, pode frequentar um centro de tratamento de dependência oficial. No Colorado não há nada disso.

Outra diferença marcante: no Oregon, para facilitar a aprovação da Medida 109, incluiu-se uma cláusula autorizando condados e cidades a votarem sua exclusão da norma estadual. No Colorado, a Proposição 122 fechou essa via de escape.

Grande quantidade de cogumelos multicoloridos
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

O grande receio com a liberalização é que ela traga aumento de consumo, dependência e overdoses. Pouca gente sabe que psicodélicos como LSD, DMT, psilocibina e mescalina têm potencial adictivo baixo e perfil toxicológico bastante seguro. E os dados do Colorado mostram que não ocorreu a temida explosão.

É claro que psicodélicos não são substâncias anódinas –entre outros efeitos, podem desencadear surtos psicóticos em pessoas com propensão a isso. Sem supervisão, em ambientes ou atividades inadequados como dirigir um carro, podem sim implicar riscos, mas relatos de acidentes graves são raros.

As cifras tranquilizadoras do Colorado foram obtidas pelo pesquisador Gregory Ferenstein, mais especificamente no condado de Denver e noutros populosos, como El Paso. Ele fez contato com autoridades policiais e promotores, mas ninguém indicou mudança significativa desde janeiro.

Nas estatísticas oficiais, o primeiro trimestre de 2023 manteve em cerca de 2% a parcela de incidentes criminais envolvendo intoxicação ou posse de alucinógenos. É a mesma proporção verificada no primeiro trimestre de 2021, em comparação com todos os crimes relacionados a drogas.

No que respeita a direção sob efeito de compostos psicoativos, os episódios abarcando psicodélicos representaram 2,4% do total (20 em 820 incidentes), contra 3,9% (8 em 205) no ano atípico de 2022, quando se retomava a normalidade na pós-pandemia.

Quando se consideram hospitalizações por intoxicação com drogas, alucinógenos representaram em janeiro só 0,3% dos incidentes em todo o estado. No caso de atendimento por abuso de álcool, uma droga legal, a proporção foi de 54,1%. Estimulantes responderam por 16,7%, opioides por 10,8%, e cânabis por 10,7%.

São dados parciais e referentes a um período curto, decerto, mas fica evidente que, com tamanha desproporção entre danos com psicodélicos e álcool, a explosão não aconteceu. Não se exclui que venha a ocorrer, mas parece provável que a percepção sobre substâncias alteradoras da consciência mudará, à luz dos fatos.

Ela já vem se alterando com os dados de estudos clínicos, como os de fase 3 para testar MDMA contra transtorno de estresse pós-traumática, capitaneados pela Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos. Não por coincidência a Maps, como é conhecida em inglês, vem a ser também a promotora da conferência PS2023 em Denver.

O megaevento acontecerá num clima de euforia com a perspectiva de aprovação dessa psicoterapia assistida por psicodélico pela FDA, a Anvisa dos EUA. E, também, de apreensão com o predomínio do complexo industrial-biomédico sobre processos de cura praticados há séculos, quiçá milênios, por povos tradicionais.

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Hoje é o último dia para participar da pesquisa mundial Global Psychedelic Survey (GPS). Se você lê inglês e tem experiência nesse campo, corra lá – os organizadores pretendem obter pelo menos 5.000 participantes.

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Página do curso online “The Science of Psychedelic Healing” (a ciência da cura psicodélica)
Página do curso online “The Science of Psychedelic Healing” (a ciência da cura psicodélica) - Reprodução

O Instituto Chacruna inicia na próxima terça-feira (6 de junho) o curso online "The Science of Psychedelic Healing" (a ciência da cura psicodélica). Em inglês, as aulas semanais vão até agosto e custam US$ 450. Entre os instrutores figuram as brasileiras Bia Labate, Fernanda Palhano-Fontes e Ligia Platero.

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AVISO AOS NAVEGANTES - Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem "Cogumelos Livres" na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira".

Capa do livro Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira (Fósforo Editora)
Capa do livro Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira (Fósforo Editora) - Arquivo Pessoal

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