Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

Voltaire de Souza - Voltaire de Souza
Voltaire de Souza

A rainha deu no pé

Modelo da monarquia britânica não se adapta com facilidade à cultura brasileira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Raiva. Desengano. Decepção.

Eram longos os suspiros de dona Hermantina.

–Pensar que votei nesse idiota…

Num primeiro momento, tinha sido grande o seu entusiasmo por Jair Bolsonaro.

–Se eu soubesse que ele era tão ignorante…

Ela depositou com cuidado a colherinha de prata no pires de porcelana.

–Música sertaneja. Sempre de-tes-tei.

A copeira Marialva se aproximou.

–Precisa de mais alguma coisa, dona Hermantina.

–Ligue a televisão, por favor, querida.

As imagens vinham por satélite direto da Inglaterra.

–Olha aí. Outra civilização.

–Verdade, dona Hermantina.

A rainha Elizabeth 2a comemora setenta anos de reinado.

Um fio de esperança tremulou na alma da anciã.

–Monarquia. Era disso que o Brasil precisava.

–Verdade, dona Hermantina.

–Cala a boca. Você não entende nada.

Marialva se retirou discretamente.

Desfiles. Trombetas. Carruagens.

–Parece a carruagem da Cinderela…

–Verdade, dona Hermantina.

Os olhos da idosa perscrutaram a saleta.

–Ué. A Marialva não tinha ido embora?

De fato.

Estava tudo vazio naquele amplo apartamento em Higienópolis.

–Tem alguém aí?

As sombras se alongavam entre estatuetas e cristaleiras.

Hermantina tentou se concentrar.

–A vida da rainha. Interessante.

Passos tímidos se ouviram no corredor.

–Quem é que está aí?

Uma senhora baixinha. Sapatos de salto. Conjunto tipo taierzinho.

–Hermantinaaa… Hermantinaaa…

A idosa paulistana tentou se levantar da poltrona.

–Majestade?

Com a idade, era difícil fazer a reverência real.

–Não se incomode, querida… não sou rainha.

Um relâmpago iluminou o rosto da misteriosa visitante.

–Dilma Rousseff?

–Querida… eu vou voltar.

Atrás dela, um senhor simpático.

Cabelos grisalhos puxados para trás. Um ar de experiência e compostura.

–Príncipe Charles?

–Sou o Leonel Brizola, Hermantina.

A idosa fez o sinal da cruz.

–E o Lula? Não veio também?

O ex-presidente trazia um envelope na salva de prata.

–Convite para você, Hermantina.

Os dizeres vinham em elaborada caligrafia.

–Seu encontro com a urna está próximo.

O ataque cardíaco foi rápido.

Marialva cuidou da cremação.

A democracia também tem suas tradições.

Mas o problema começa quando o tipo da urna entra no debate.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.