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Cientista faz representação facial de dom Pedro 1º e das imperatrizes Leopoldina e Amélia

Trabalho de uma equipe multidisciplinar recria em detalhes a aparência da família imperial brasileira

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Lisboa

Primeiro imperador do Brasil, dom Pedro 1º (1798-1834) acaba de ganhar nova representação facial, embasada em uma investigação multidisciplinar que envolveu o processamento de cerca de 20 mil imagens de tomografia computadorizada, além de uma série de estudos médicos, odontológicos e de outras fontes.

As imperatrizes Leopoldina (1797-1826) e Amélia (1812-1873) também tiveram a aparência representada digitalmente.

A responsável pelo trabalho é a arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel, que incluiu a chamada aproximação visual da família imperial como parte de sua tese de doutorado na Faculdade de Medicina da USP, aprovada nesta terça-feira (7).

Reconstrução facial do imperador dom Pedro 1º para tese de doutorado da arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel na Faculdade de Medicina da USP
Reconstrução facial do imperador dom Pedro 1º para tese de doutorado da arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel na Faculdade de Medicina da USP - Valdirene Ambiel/Divulgação

"A aproximação facial é uma correlação minuciosa entre ossos e músculos", explica a pesquisadora. "Primeiro de tudo, tem de se estudar muito a anatomia", afirma, destacando que esse tipo de trabalho exige "a maior quantidade possível de imagens".

A análise da estrutura craniofacial de dom Pedro identificou que ele tinha o rosto alongado, com lábio superior curto e padrão dos olhos "caídos", provavelmente com olheiras profundas. O imperador também tinha um desvio de septo que prejudicava sua respiração.

A análise odontológica do autor do grito do Ipiranga revelou ainda algumas características curiosas, como o hábito de mastigar sobretudo do lado direito da boca. Ele tinha quase todos os dentes em boas condições, sem lesões por cáries, o que permite inferir que ele tinha uma boa higiene oral. O fato de ter dois dentes com restaurações metálicas, provavelmente feitas em ouro, mostra seu acesso a um cirurgião-dentista.

Reconstrução facial da imperatriz dona Amélia para tese de doutorado da arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel na Faculdade de Medicina da USP
Reconstrução facial da imperatriz dona Amélia, feita para tese de doutorado da arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel, na Faculdade de Medicina da USP - Valdirene Ambiel/Divulgação

Já Amélia, que morreu aos 60 anos, tinha apenas cinco dentes na boca, o que pode ter representado dificuldades para se alimentar. O corpo da imperatriz, no entanto, estava bastante conservado, inclusive com alguns tecidos moles.

O trabalho mostrou que a imperatriz Leopoldina possuía ossos maxilares assimétricos, com características que normalmente conferem à fisionomia um queixo protuberante, com dentes inferiores passando na frente dos superiores.

Ambiel destaca que, apesar da riqueza do material, foi fundamental extrapolar a análise dos restos mortais e da indumentária e dos adereços usados no sepultamento.

"Por mais semelhante que o ser humano seja, até entre gêmeos existe algum tipo de diferença. Isso se dá por diferentes razões. Por exemplo, até a nossa forma de falar e os nossos hábitos têm influência [na aparência]", diz ela.

Para dar conta de identificar os detalhes que podiam influenciar no visual dos representados, a cientista estudou desde os hábitos alimentares e esportivos dos monarcas até o histórico de saúde deles e de pais e avós.

A pesquisa inclui a análise de 96 imagens de litografias e outras artes dos imperadores, desde a infância até a morte.

"Com base nestas imagens e com o uso de técnicas forenses foi possível ver detalhes de identificação: sobrancelhas; cabelo e características de cartilagens, tais como orelhas, além do uso de informações históricas sobre características físicas: cor de cabelos e olhos, cútis", diz o trabalho.

O resultado final mostra os membros da família imperial com a aparência que tinham cerca de um ano antes da morte. A aproximação mostra o busto dos monarcas, trajando as roupas usadas no sepultamento.

Reconstrução facial da imperatriz Leopoldina para tese de doutorado da arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel na Faculdade de Medicina da USP
Reconstrução da imperatriz Leopoldina - Valdirene Ambiel/Divulgação

Dom Pedro 1º foi representado com o uniforme de general lusitano. Amélia foi retratada com um vestido preto e um véu.

A imperatriz Leopoldina aparece com o traje usado na coroação do marido. As imagens da tomografia permitiram recriar parte do vestido, mas a concepção da faixa em seu busto foi feita com base em uma litografia, uma vez que o tecido original já havia perdido a pigmentação.

A tese de doutorado contou com a revisão de diversos profissionais para validar aspectos médicos e odontológicos, entre outros pormenores.

O trabalho de computação gráfica, que deu vida ao material científico produzido, ficou a cargo do artista visual Rodrigo Sanches Avila.

A incorporação dos detalhes das imagens, como disposição dos pelos faciais e textura da pele, foi feita de maneira bastante cuidadosa, conforme ilustra trabalho de recriação do bordado do véu de Amélia. "O bordado do véu (...) foi confeccionado um a um. Em linhas gerais, é como se o profissional estivesse ornando manualmente, obviamente nesse caso de maneira digital."

Embora todas as imagens tenham demandado dedicação, a aproximação de dom Pedro foi a mais trabalhosa, de acordo com a pesquisadora. "Isso se deve pelas condições em que os restos mortais estavam, completamente desarticulados."

Ambiel destaca que as condições em que os ossos foram encontrados evidenciam a falta de cuidado com o transporte e com o próprio armazenamento dos restos mortais do monarca ao longo dos anos.

Com sua dissertação de mestrado, defendida em 2013, Valdirene Ambiel se tornou a primeira cientista a conduzir um estudo detalhado dos restos mortais da família imperial brasileira.

Para sua pesquisa, ela pode ter acesso aos corpos do trio real, que está sepultado no Monumento à Independência, em São Paulo. O material passou por análises químicas, físicas e exames de imagem.

Além do pioneirismo, o trabalho teve grande repercussão por conta de seus vários achados, entre os quais a ausência de fratura no fêmur de Leopoldina. Apesar da falta de documentação oficial, alguns historiadores afirmavam que a imperatriz teria morrido por complicações após ter sido empurrada de uma escadaria por dom Pedro.

Parte do vasto material produzido no mestrado, incluindo milhares de imagens de tomografia computadorizada, foram usados agora no doutorado.

A pesquisadora escolheu defender a tese após as comemorações do bicentenário da Independência brasileira, celebrado no último 7 de setembro, para evitar o aproveitamento político da ocasião. "Já chega de eles serem usados pela política do Brasil."

A arqueóloga também diz que quis dar mais sentido à biografia de d. Amélia, que não tem interferência direta no processo de Independência.

"D. Amélia em 1822 tinha 10 anos de idade. Como ela já é uma imperatriz que tem uma história menos conhecida no Brasil, ela ficaria mais ‘esquecida’ ainda, dentro de um contexto que ela não tem nada a ver", completa.

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