Descrição de chapéu The New York Times

Possíveis bombas atômicas no espaço voltam a assustar a humanidade

Putin pode descobrir que uma arma nuclear em órbita é menos útil para a guerra do que para a intimidação

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William J. Broad
The New York Times

Em 1982, o presidente Ronald Reagan estava considerando o que ficou conhecido como Guerra nas Estrelas, um plano que consistia em espalhar milhares de armas no espaço para proteger os Estados Unidos de mísseis soviéticos. Ao mesmo tempo, como jovem escritor de ciência, eu estava reportando como os raios de uma única detonação nuclear em órbita poderiam eliminar frotas inteiras de estações de batalha. "Guerra nas Estrelas: loucura do Pentágono", dizia uma das manchetes.

Décadas depois, Reagan e a União Soviética se foram, mas a ansiedade sobre uma explosão nuclear em alta altitude ainda persiste, trazida de volta mais recentemente pelos objetivos de guerra ostensivos do presidente russo Vladimir Putin.

Bolo de fogo no céu sobre o mar
Teste nuclear Starfish Prime em altas altitudes, em 9 de julho de 1962 - U.S. Department of Defense

No mês passado, agências de espionagem americanas informaram ao Congresso, bem como a aliados estrangeiros, que Putin teria a ideia de implantar e usar uma bomba atômica no espaço para desativar milhares de satélites. Não apenas as ligações de comunicação militar e civil estariam em risco, mas satélites que espionam, rastreiam o clima, fazem transmissões, possibilitam mapas de celular, formam conexões de internet e realizam dezenas de outras tarefas modernas.

A mera alegação de tal ideia pode ajudar Putin a assustar seus adversários.

"Seu propósito é o mesmo que Guerra nas Estrelas foi para nós nos anos 80", disse Jonathan McDowell, astrofísico que publica um relatório mensal sobre o espaço. "É para assustar o outro lado."

Mas, para realmente travar uma guerra, analistas dizem que o passo é difícil de imaginar.

Em um estudo de 2010, cinco especialistas em armas nucleares explicaram como astronautas atingidos pelos raios mais poderosos experimentariam duas a três horas de náusea e vômito antes que a doença por radiação os deixasse com "uma probabilidade de 90% de morte".

A Estação Espacial Internacional (ISS) normalmente abriga sete astronautas —três americanos, um estrangeiro e três russos. Os raios também poderiam transformar a estação espacial do principal aliado de Putin, a China, em uma armadilha mortal. O novo posto avançado de Pequim abriga três astronautas chineses e deve ser expandido para acomodar ainda mais.

Os satélites da China —628 em uma contagem recente— representariam uma vulnerabilidade adicional. Stephen M. Younger, ex-diretor dos Laboratórios Nacionais de Sandia, que ajudam a fabricar as armas nucleares do país, disse em uma entrevista que uma explosão espacial russa poderia "cegar" os satélites de reconhecimento da China e, assim, acabar com a principal forma do país de rastrear a Frota do Pacífico da Marinha dos EUA.

A suposta jogada de bomba de Putin, disse Younger, era mais bravata do que um plano de guerra sério. "Putin não é estúpido."

Toda a ideia por trás das armas nucleares, disse David Wright, especialista em armas nucleares do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), é que há um autodesestímulo em parte porque elas causariam danos colaterais significativos não só a outros países, mas a quem decidisse lançá-las. Essa dissuasão também poderia se aplicar a uma bomba espacial, acrescentou ele, a menos que quem as lançasse estivesse desesperado e visse os riscos como aceitáveis.

"Seria perigoso para os próprios russos", disse Richard L. Garwin, físico e conselheiro de longa data do governo federal que ajudou a projetar a primeira bomba de hidrogênio do mundo.

Desde que Putin invadiu a Ucrânia, ele fez ameaças atômicas que os analistas veem como centrais para sua estratégia de dissuadir a intervenção ocidental. Se ele estacionasse uma bomba atômica em órbita, isso violaria dois tratados fundamentais da era nuclear —assinados em 1963 e 1967— e sinalizaria uma escalada significativa.

Em 20 de fevereiro, Putin negou que pretendesse lançar uma arma nuclear em órbita.

Putin ao lado de um homem com um capacete
O presidente russo Vladimir Putin se prepara para voar em um bombardeiro estratégico Tu-160M modernizado e capaz de transportar armas nucleares, em Kazan, na Rússia - Dmitry Azarov - 22.fev.2024/Sputnik/Reuters

Mas dias depois, em 29 de fevereiro, em seu discurso anual do Estado da nação, ele voltou à sua costumeira retórica belicosa, alertando que o Ocidente enfrentava o risco de guerra nuclear.

As armas nucleares em geral, e as bombas espaciais em particular, são a antítese da precisão. Elas são indiscriminadas —ao contrário de armas convencionais, que são tipicamente caracterizadas pela precisão. Em 1981, quando escrevi pela primeira vez sobre armas nucleares orbitais como repórter da revista Science, me referi à confusão do espaço como o "Fator Caos".

O fenômeno inesperado ganhou vida em julho de 1962, quando os Estados Unidos detonaram uma bomba de hidrogênio a cerca de 400 km acima do oceano Pacífico. Céus escuros se iluminaram. No Havaí, as luzes de rua se apagaram. Em órbita, satélites falharam.

O presidente John F. Kennedy preocupou-se que a radiação persistente das explosões nucleares colocaria em perigo os astronautas. Em setembro de 1962, ele cancelou um teste chamado Urraca. A bomba de hidrogênio seria detonada a uma altitude de mais de 1.200 km —a mais alta de qualquer explosão de teste, americana ou soviética. No ano seguinte, ele assinou um tratado que proibia explosões experimentais no espaço.

O mundo científico estava então fazendo uma distinção importante sobre as detonações no espaço que está ausente na maioria das discussões atuais: as explosões atômicas têm efeitos não só imediatos mas residuais.

As repercussões iniciais são mais conhecidas. Os raios de uma bomba se espalham por vastas distâncias para produzir raios elétricos semelhantes a relâmpagos em satélites e redes terrestres, fritando circuitos elétricos. Especialistas os chamam de pulsos eletromagnéticos, ou PEM. Os pulsos apagaram as luzes no Havaí.

No entanto, o que chamou a atenção de Kennedy foi um efeito de longo prazo: como os detritos radioativos e partículas carregadas de uma explosão nuclear aumentam os cinturões naturais, em forma de rosca, de radiação que circundam a Terra. Esses cinturões são intensos, mas nada comparados ao que se tornam quando amplificados pela radiação de uma bomba.

Os cinco especialistas nucleares que escreveram o estudo de 2010 ligaram a sobrecarga desses cinturões não apenas aos riscos para os astronautas, mas também, após o teste de julho de 1962, a danos significativos em pelo menos oito satélites. A vítima mais famosa foi o Telstar, o primeiro satélite de comunicações do mundo.

Ao longo dos anos, fiquei preocupado, pois um tópico complicado estava sendo simplificado demais. Grupos marginais e políticos belicosos soavam alarmes sobre ataques de PEM russos à rede elétrica do país, embora raramente notassem o risco para as próprias espaçonaves e astronautas de Moscou.

Peter Vincent Pry, ex-oficial da CIA, alertou em um relatório de 2017 que Moscou estava preparada para ataques surpresa de PEM que paralisariam os Estados Unidos e destruiriam seus satélites.

Em 2019, o presidente Donald Trump ordenou o fortalecimento das defesas de PEM do país. Rick Perry, secretário de Energia, disse que a ordem "envia uma mensagem clara aos adversários de que os Estados Unidos levam essa ameaça a sério".

Os especialistas em segurança nacional sabem como as armas de destruição em massa se envolvem em ciclos de medo que vêm e vão com os ventos políticos. Depois de décadas refletindo sobre os fundamentos das explosões nucleares no espaço, cheguei a ver os riscos como extremamente baixos a inexistentes porque uma detonação —como McDowell, Younger, Wright, Garwin e outros argumentaram— prejudicaria não apenas o alvo do ataque, mas também quem faz o ataque.

"Talvez os russos decidam que seus astronautas terão que se sacrificar pela pátria", disse McDowell. "Mas acho que Putin, louco como é, não vai fazer isso."

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