Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Novo choque global. E o Brasil?

Reação ao conflito geopolítico revelará o futuro próximo do país

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Nada mais indesejável do que uma guerra entre Rússia e Ucrânia, sem prazo para acabar e com repercussões e perdas globais (econômicas e de vidas). Mas se o Brasil reagir da forma adequada, podemos nos posicionar bem para enfrentar os problemas que virão.

Os impactos econômicos tendem a ser relevantes, pois afetam suprimentos estratégicos (como trigo, milho, fertilizantes, petróleo e gás, entre outros) para regiões relevantes, como a Europa, que tem grande dependência energética da Rússia.

A logística pode ficar mais complexa e menos eficiente, com possíveis quebras de fornecimento, o que implica produtos finais mais caros. Além de maior insegurança e menos investimentos (ou pior, mais investimentos bélicos). O mundo crescerá menos, com mais inflação, menos empregos e menor mobilidade entre países.

Ilustração de duas peças rainhas de xadrez (uma é branca, azul e vermelha e a outra é azul e amarela), elas estão em cima de um tabuleiro de xadrez pequeno, ocupando quase todo o espaço. No fundo, há um mapa mundi e linhas cinzas que formando uma superfície quadriculada.
Ilustração publicada no dia 6 de março de 2022 - Amarildo

O Brasil é um importante produtor de petróleo e de milho, cujos preços já vêm registrando forte valorização desde a pandemia. A oferta destes bens não deve ser ampliada repentinamente, pois depende de investimentos de prazo mais longo ou de condições climáticas, disponibilidade de terras e acesso a bens intermediários. Como o país é importador de fertilizantes, terá acesso mais restrito a estes insumos, comprometendo a produtividade das próximas safras.

Ainda assim, poderá haver melhora temporária de termos de troca no Brasil, com alta mais forte dos preços de exportações ante os das importações no curto prazo. Contudo, a entrada potencial de mais divisas não é algo certo. Ao contrário do que indicavam os fundamentos, o real se depreciou desde a pandemia, muito por conta da persistência dos riscos domésticos (fiscal, institucional e político eleitoral).

Agora, ocorre o oposto. Os fundamentos sinalizam potencial depreciação do real. Primeiro, se a curva de juros doméstica já embute expectativas do aperto monetário aqui, a curva de juros nos EUA precifica pouco, com investidores apostando numa taxa final baixa, inferior à do juro neutro (2,5%) estimado pelo Banco Central norte-americano (Fed). Assim, os diferenciais de juros em favor do Brasil tendem a se reduzir à frente.

Outro fator é a retirada de liquidez nos mercados globais, mediante forte vencimento de títulos na carteira do Fed. O enxugamento da liquidez global potencialmente reduzirá preços de commodities e os ganhos de termos de troca. Ademais, o Brasil crescerá menos que as economias avançadas, a considerar os impactos defasados do aperto monetário. Por fim, em momentos de aversão ao risco, investidores tendem a buscar ativos considerados seguros, como títulos da dívida dos EUA.

Contudo, seria possível que o real caminhasse novamente em direção contrária aos fundamentos, desta vez em favor da sua valorização, caso o país seja bem-sucedido na redução de seus riscos domésticos.

O caminho seria traçar políticas públicas adequadas, considerando que preços de commodities mais altos e mais inflação elevam as receitas públicas de modo ilusório e temporário. Isso está associado à perda de poder aquisitivo das famílias e à queda de lucratividade ou inviabilidade da muitas empresas não exportadoras. Por maus motivos, ganham governos e exportadores de commodities, perde a grande maioria da população.

Tornar a cobrança de impostos mais simples, previsível e parecida para todos os setores ajuda a reduzir os custos de pagamento pelas empresas. Contribui para gerar decisões empresariais focadas na racionalidade do próprio negócio (e não para o aproveitamento de brechas). E ainda tem o benefício de aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais, melhorando o nosso ambiente de negócios. A redução linear do IPI e a gradual eliminação do IOF caminham nessa direção.

Estão ainda em discussão mudanças na cobrança do ICMS sobre combustíveis. Regulamentar a Constituição, que indica alíquotas uniformes, instituir valores específicos e permitir a cobrança monofásica seriam importantes avanços. Reduziria sonegação e a competição desleal. Tais iniciativas, já mencionadas pelo Ministério da Economia, demandam cautela para não piorar as contas públicas.

Outra fonte de redução de riscos seria o processo eleitoral sinalizar tanto a retomada das reformas estruturais à frente, quanto o aprimoramento das políticas sociais. As reformas pró-mercado ajudam na recuperação da confiança e na redução da taxa de juros estrutural.

A saída para o conflito entre Rússia e Ucrânia, seja qual for, muito nos dirá sobre a (re)configuração das forças geopolíticas e seu impacto para as futuras gerações.

A reação do Brasil muito nos dirá sobre as oportunidades futuras. Com sinalização firme quanto à solidez político-institucional e dos valores históricos do país nas relações internacionais, e a adoção de políticas adequadas, será possível reduzir sobremaneira impactos sobre os brasileiros, assegurando a contenção dos choques de preços e um ajuste mais rápido das contas públicas e da inflação.

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