André Liohn

Fotojornalista especializado na cobertura de guerras, vencedor da medalha Robert Capa

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André Liohn
Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Tática de Zelenski de se apoiar nas redes sociais pode não bastar para os ucranianos

Com o desgaste do tempo e do próprio presidente, civis se tornam vítimas dos exageros retóricos

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Desde que as tropas russas deixaram a região em torno de Kiev, abrindo espaço para que o mundo pudesse ver o custo humano da invasão que ainda não completou dois meses, o presidente ucraniano tem dito que a Rússia cometeu crimes de guerra, os piores desde a Segunda Guerra Mundial.

A guerra de Biafra, as guerras civis na América Central, na Libéria e em Serra Leoa, conflitos na antiga Iugoslávia, na Bósnia e em Kosovo, a fome usada como arma de extermínio em massa na Somália e na Etiópia, conflitos internos na República Democrática do Congo, os genocídios em Ruanda, na região de Darfur e do povo rohingya em Mianmar, o sequestro das mulheres yazidi, vendidas como escravas sexuais, a luta contra o Estado Islâmico em Mossul e Aleppo —não faltam no mundo exemplos de atrocidades terríveis cometidas contra civis. Apesar da grande popularidade gozada por Zelenski, seu exagero retórico foi recebido com desconfiança até mesmo entre apoiadores.

Cresce também a impressão de que o governo ucraniano não esteja contanto toda a verdade em relação às circunstâncias em que muitas das mortes na região de Kiev realmente aconteceram.

Jornalistas registram exumação de corpos encontrados em vala comum na cidade de Motijin, na região de Kiev - Marko Djurica - 4.abr.22/Reuters

Os combates têm acontecido longe dos olhos de jornalistas ou observadores independentes, e a destruição descomunal de cidades inteiras ou regiões ocupadas por tropas russas sugere que os contra-ataques ucranianos também podem estar causando a morte de civis encurralados nas zonas de conflito.

Não fosse a disputa pela cidade portuária de Mariupol, a saída das tropas russas do entorno de Kiev faria com que o conflito praticamente retornasse à condição anterior à invasão do dia 24 de fevereiro. Além de não ser mais uma ameaça à capital e ao governo de Zelenski, o Exército de Moscou, ao menos nesse momento, ao se afastar da fronteira com a Polônia, também deixa de ser um perigo iminente à Otan.

Para muitos, a certeza de que Putin errou ao iniciar a guerra não impede que o apoio quase irrestrito do Ocidente ao governo ucraniano seja questionado. Com o desgaste do tempo e do próprio Zelenski, os civis se tornam outras vítimas dos exageros retóricos de Kiev.

Se a guerra deixar de ser uma ameaça internacional, a Ucrânia —e em especial sua população civil— precisará mais do que nunca de jornalistas empenhados na tarefa de contar ao mundo o que realmente está acontecendo.

Durante os últimos oito anos, o conflito na região do Donbass mal apareceu nos rodapés dos jornais. Agora, a estratégia de comunicação do governo ucraniano de se apoiar nas mídias sociais e na popularidade do presidente poderá não ser suficiente para que o público continue se importando com o sofrimento do povo local.

Investigadores do Tribunal Penal Internacional —verdadeiros responsáveis pela formulação de acusações de crimes de guerra e contra a humanidade— são impedidos de atuar nas linhas de frente pelos protocolos de segurança da ONU. Nesse caso, muitas das provas usadas por eles são consequência do trabalho da imprensa e de observadores independentes.

As vítimas da guerra na Ucrânia precisam ter acesso à Justiça, mesmo que os crimes cometidos até agora não sejam os piores desde a Segunda Guerra Mundial.

Para que o povo ucraniano não sofra ainda mais, abandonado debaixo de destroços de uma guerra que começa ser esquecida, e se o governo realmente espera que os responsáveis pelos crimes cometidos em torno de Kiev sejam punidos, é fundamental que jornalistas e investigadores independentes tenham acesso às linhas de frente.

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