Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Horror do bolsonarismo à ciência é invejoso

Empenho em angariar prestígio via diploma revela que a ciência não é de todo irrelevante para os bolsonaristas

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O bolsonarismo é um anti-intelectualismo. Não precisa de diploma para saber. Negacionismo climático e Terra plana são exemplos de que raciocínio lógico baseado em evidências empíricas não é o forte da turma. São mais usuários de músculos que de neurônios. Tem horror a universidades, bibliotecas, editoras, enfim, livros, exceção feita ao “A Verdade Sufocada”, do general Brilhante Ustra, em defesa da ditadura.

Mas é um horror invejoso. Vira e mexe aparece bolsonarista com currículo inchado de títulos acadêmicos inexistentes. O da vez pertence a Kassio Nunes, candidato ao Supremo Tribunal Federal. O juiz alega ter canudos das universidades de Salamanca, Messina e Lisboa —inclusive um que nem existe, o de “pós-doutorado”. Duas atividades foram quase instantâneas e simultâneas, atestando que o futuro ministro, além de fluência em espanhol e italiano, deve possuir notório saber em velocidade e ubiquidade.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia "Vencendo a Covid-19", no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 24.ago.2020/Folhapress

O empenho em angariar prestígio via diploma, um símbolo de conhecimento, revela que a ciência não é de todo irrelevante para os bolsonaristas. Este governo é o mais lotado de militares desde que o general Figueiredo largou o povo e foi cuidar de cavalos. Os militares são os profissionais da guerra, que, por sua vez, depende de tecnologia. Nos dias que correm, é previdente reiterar o óbvio: não existe tecnologia sem ciência. E muito conhecimento “inútil” ou “supérfluo” em dado momento é passo no caminho de descobertas cruciais para a sociedade inteira, como os óculos e as vacinas, as políticas públicas e a urna eletrônica.

Gasto em ciência no presente é investimento no futuro. Os próprios militares, que vivem do pensamento estratégico, o apontaram em 1951, criando o Conselho Nacional de Pesquisa (hoje CNPq).

Interferir na gestão interna das universidades e sequestrar seus recursos só vai nos deixar mais longe do “make the Brazil great again”, que o presidente tanto almeja.

Aliás, quanto mais o cerco ideológico e o estrangulamento financeiro ameaçam os campi, mais cérebros migram. É que, ao contrário do juiz Nunes, muita gente por aqui tem diplomas de verdade e sólidos currículos em pesquisa. Os cientistas de primeira linha do Brasil não fazem feio em nenhuma parte, podem perfeitamente achar bons empregos no exterior. Quem perde não são eles, é o país.

No auge da pandemia, o governador de São Paulo deu mostras de ter entendido o ponto. Aparecia sempre cercado de dados e cientistas. Fez acordo com a inimiga ideológica do presidente, a China, para produzir vacina. No afã de diferenciação com o adversário —ninguém ignora que o João Trabalhador é candidatíssimo à Presidência—, Doria apresentou-se como governante moderno. Achados científicos foram seu metro para abrir e fechar cidades e serviços, recomendar máscaras e remédios. Um político anticloroquina.

Contudo, este patrimônio imagético do governador está à beira do desmoronamento, desde o aziago 13 de agosto. Foi quando publicou o projeto de lei 529, que garfa recursos já empenhados das universidades públicas estaduais, USP, Unicamp e Unesp, e da Fapesp, para cobrir o rombo das contas do estado. Não bastasse, tramita agora o projeto de lei 627, que desvincula receitas, tornando incerto o valor dos orçamentos anuais, o que, sabe qualquer gestor, impede o planejamento de atividades e o bom uso dos recursos.

Em contraponto ao presidente, o governador disse, em abril de 2020, a propósito da prorrogação da quarentena: “Aqui nós não brigamos com a ciência”. Tudo o que a ciência paulista precisa neste momento é que o governador honre sua palavra.​​

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