Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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O dilema dos indiferentes

É hora de agir ou deixar que outros o façam em seu nome. Não é temporada para isentões

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"Se você não faz política, alguém faz por você" foi uma das muitas tiradas de Lula no bombadíssimo Flow. O programa chegou a patamar incrível de visualizações. Quebrou o YouTube e a espinha do orgulho bolsonarista.

Difícil saber quantos dentro do milhão imediato de espectadores e dos seis adicionais serão votos lulistas na urna, mas é inegável a penetração do Flow entre estratos médios e baixos. Neles reverberam também as declarações pró-Lula de jogadores de futebol, líderes religiosos e artistas, do axé ao sertanejo.

O ex-presidente Lula fala ao Flow Podcast - Reproduçao

A leva de adesões chegou, por fim, à faixa mais resistente ao PT, a elite social. Está vindo de empresários urbanos, gente das finanças, do agronegócio e assemelhados. Endosso, ainda que a contragosto, até de tradicionais antipetistas. A onda percorre o espectro político, à exceção da extrema-direita, por suposto.

As motivações para este voto adventício são contas de um mesmo rosário de temores. Teme-se a perpetuação do inferno bolsonarista. Por isso, adota-se a tese do mal menor.

O medo da derrocada da democracia deu o tom em reunião de terceiraviistas desolados esta semana em São Paulo. Ajuntaram-se, em casa de um banqueiro, para ouvir Simone Tebet, Armínio Fraga e Marina Silva pedirem voto para Lula. Recepcionada com ovação, Tebet convocou os indecisos a defenderem as instituições democráticas.

Valeu-se da retórica da ameaça: vem aí a autocracia. O desempenho governista nas eleições legislativas, os dois nomes a serem indicados para o Supremo pelo próximo presidente e a reeleição do atual, tudo somado, a senadora frisou, significará uma perigosa concentração de forças. Em vez de três poderes independentes, o país pode acabar com todos encavalados. O que, alertou, abrirá a porta para o abismo: a aprovação de um terceiro mandato.

A ameaça de um chavismo de direita é real. Por mais que o bolsonarismo achincalhe as ditaduras de esquerda, seu meio é o mesmo, a destruição das formas de expressão da divergência. O fim também: um governo autocrático, apenas no outro extremo do gradiente político. Sempre propaladas no discurso, as liberdades estão sob ataque na prática. A intenção de desrespeitar, destruir ou restringir direitos está às claras do início do mandato de Bolsonaro à censura de Arthur Lira aos institutos de pesquisa.

Com este quadro e nesta quadra, a indiferença é joia rara e cara. Rara porque a maioria tomou lado e a ele se aferra. Contudo, há perto de 5% entre indecisos, descrentes e impassíveis, que pretendem anular o voto, deixar a cédula em branco ou nem comparecer às urnas. São os que jogam o jogo da equivalência, o do "tanto-faz" entre Lula e Bolsonaro.

Dada a gravidade da conjuntura, difícil entender que cidadãos se furtem à escolha, que dirá figuras públicas. Na política, é imperativo ter lado. João Doria bem o mostrou, ao resistir ao negacionismo bolsonarista e vacinar os paulistas. Por isso mesmo soa despropositada sua atual subida no muro.

A indiferença é luxo caríssimo, pois das urnas sairá um governo favorável ou contrário à democracia. Não é preciso programa tintim por tintim para saber como cada candidato governará, os anos de presidência de cada um o indicam.

Muitos podem pensar que, ao se eximir, não farão diferença. Mas em disputa tão acirrada, cada voto conta. O dilema dos indiferentes, como resumiu Lula a Igor, é agir ou deixar que outros o façam em seu nome. Não é temporada para isentões.

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