Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Resistências aos direitos das mulheres

A atual configuração de forças não é impeditiva apenas para o aborto

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O governo passou aperto na Câmara na semana passada. A oposição está com a faca nos dentes. Sobretudo em tema que lhe é caro, a moral privada. Aí é nula a chance de entendimento.

Os primeiros governos Lula dão testemunho. A regulamentação do aborto, tentada nos dois mandatos, malogrou. A aliança com o ativismo feminista foi insuficiente face à resistência. Movimentos sociais contrários se organizaram e protestaram, com a Marcha Nacional da Cidadania pela Vida e a Marcha contra a Legalização do Aborto. Era o braço da sociedade.

O outro operava no Congresso. A Campanha Nacional por um Parlamento em Defesa da Vida e frentes parlamentares de nomes variados ("contra a legalização do aborto", "da família e apoio à vida", "em defesa da vida") foram uníssonas na guerra ao aborto. Esses braços, o institucional e o societário, contavam com pernas religiosas —e não só as evangélicas.

Militantes ligadas a grupos de defesa dos direitos das mulheres fazem protesto contra a cultura do estupro no Brasil e contra a então ministra Damares Alves, em 2020, em Brasília - Pedro Ladeira - 20.ago.2020/Folhapress

Dilma Rousseff foi pressionada a nem pautar o assunto e sofreu contínuo chauvinismo misógino ao longo de seus mandatos.

Os anos Bolsonaro foram o reinado do tradicionalismo, com as feministas hostilizadas e os movimentos antiaborto incorporados ao governo. Uma de suas lideranças ganhou ministério de nome condizente, o da Família. O fato de Damares Alves ser agora senadora evidencia que nada disso é página virada. A questão de gênero nunca saiu da agenda e segue tão divisiva como antes.

A atual configuração de forças não é impeditiva apenas para o aborto. A resistência aos direitos das mulheres é palpável até na etiqueta dos debates políticos.

As sessões de comissões e CPIs são termômetro de que o simples respeito às parlamentares anda difícil. Na semana passada, a deputada Sâmia Bomfim foi duplamente silenciada, pelo tenente-coronel Zucco e pelo ex-ministro Ricardo Salles. O delegado Éder Mauro já fizera o mesmo com Talíria Petrone. Não é acaso, é reiteração da truculência bolsonarista contra as mulheres.

A indicação de Eliziane Gama para comandar a comissão dos atos golpistas soa como prova de novos tempos. Mas ganhou o cargo porque é espinhoso a ponto de queimar uma reputação. E, como logo chegarão à senadora os apupos distribuídos às deputadas, seria até o caso de se poupar. Mas, a própria explicou a esta Folha, cargo desta relevância uma mulher não pode se dar ao luxo de recusar.

Poucos são os postos altos de fato acessíveis. A ministra Rosa Weber o frisou ante a nova indicação para o STF: "Temos muitas mulheres na base da magistratura", mas, "nos tribunais superiores, o número é ínfimo". Há sempre uma boa razão circunstancial para preterir as mulheres, sem negar a igualdade de gênero como princípio. E, de circunstância em circunstância, fica tudo como está. E assim lá vai mais um homem para o Supremo.

No caso Sâmia, o Ministério Público Eleitoral abriu investigação. Mas haverá punição? Na legislatura passada, o mesmo Éder Mauro avisou Maria do Rosário e Fernanda Melchionna: "E vou dizer mais, senhoras deputadas de esquerda: eu, infelizmente, já matei sim, não foi pouco, não, foi muita gente. Tudo bandido. Queria que estivessem aqui para discutir olho no olho. Vão dormir e esqueçam de acordar!".

Como nada se fez ante a medonha ameaça, o deputado concluiu aquele mandato e ganhou o novo. Aí está, leve e solto, exibindo seu barbarismo em pleno Parlamento.

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