Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Antonio Delfim Netto
Descrição de chapéu

Leniência

Talvez haja tempo para salvar um patrimônio nacional, se instituições desinflarem seus egos

Sempre temos insistido que a Operação Lava Jato, a despeito de alguns exageros e da excessiva teatralidade, será um ponto de inflexão na história social e econômica do Brasil.

Mostrou que a sociedade civilizada almejada pela Constituição de 1988 (plena liberdade, mitigação das diferenças individuais e eficiência produtiva), que na superfície parecia operar bem, escondia uma terrível realidade: um gigantesco incesto entre operadores de infraestrutura privados e agentes do Estado por meio das suas empresas. Ele atingiu seu paroxismo durante as obras preparatórias dos eventos esportivos internacionais que compramos para o Brasil.

Esse quadro dramático tem duas faces. De um lado, um amplo conluio entre parte dos poderes eleitos, do Legislativo e do Executivo, e grandes empreiteiros de obras públicas para fins muito pouco republicanos, para dizer o mínimo. 

De outro, magníficas empresas (herdadas pelos mesmos empreiteiros) que ao longo dos anos acumularam uma expertise invejável e que cumpriam, apenas, o seu papel técnico sem nenhum envolvimento com aquela lambança. 

Elas não são propriedade dos seus acionistas: são um ativo nacional para realizar, de forma eficiente, os investimentos públicos na infraestrutura, importante vetor do desenvolvimento econômico. 

Em curtas palavras, os comparsas nos empreendimentos condenáveis foram os empreiteiros (pessoas físicas) e não as empreiteiras (pessoas jurídicas), portadoras da capacidade técnica acumulada nos últimos 70 anos e que vem sendo dissipada nos últimos quatro, pela enorme falta de coordenação para construir acordos de leniência entre o MPF (Ministério Público Federal), a CGU (Controladoria-Geral da União), a AGU (Advocacia-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União). 

A origem do desentendimento é o excesso de poder pretendido por todos eles.

O que causa grande preocupação é que, até agora, a confusão produziu o pior resultado possível: os empreiteiros pessoas físicas vão sendo acomodados e pagando o seu preço, mas as empreiteiras que herdaram e que incorporam a expertise e a tecnologia vão se estiolando e destruindo um patrimônio que é nacional. 

Talvez ainda haja tempo para salvá-lo, se, urgentemente, o MPF, a CGU, a AGU e o TCU desinflarem seus egos e combinarem parâmetros adequados para fixar os acordos de leniência. Isso poderá ser feito facilmente, se decidirem utilizar a expertise “jurídica” e “técnica” já devolvidas pelo setor privado.

Sem essa medida, os benefícios produzidos pela Lava Jato correm o risco de serem dissipados numa lamentável redução do ritmo de crescimento do país no longo prazo, o que seria trágico.
 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.