Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Descrição de chapéu plano diretor

Os escombros de São Paulo

Aqui, a gente corta o bem pela raiz

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A longevidade nem sempre é uma virtude. Pega a esperança, por exemplo. Talvez, por ser a última que morre, seja a que mais sofre. Vai definhando, murchando, atrofiando, até que sobra só uma esperancinha.

Aos 15 eu sonhava com justiça para todos. Nos últimos anos eu torci apenas para não haver golpe. Agora, se o Zanin não propuser pena de morte pra preto que for pego com três gramas de maconha, já é um alívio. (PQP, né, Lula? Atitude mais estúpida do que a indicação do Zanin para o STF, só se você decidisse, sei lá, explorar petróleo na foz do Amazonas).

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 27 de Agosto de 2023, mostra o desenho de uma retroescavadeira coberta por um monte de terra com apenas o braço da máquina à mostra
Adams Carvalho

Sou discípulo do mestre Celso Rocha de Barros, meu vizinho aqui na Folha. Concordo quando ele afirma que uma das coisas mais importantes para a democracia brasileira seria o surgimento de um partido democrático de direita. O que havia nesta seara foi lavado pela Lava Jato, deixando espaço pros terraplanistas sem ideia na cabeça e com uma arma na mão.

Eis a minha esperancinha: sonho com o dia em que tivermos conservadores que lutem pela conservação. Afinal, os que hoje se dizem conservadores são os que queimam a Amazônia, minam as instituições, defecam dentro de prédios públicos invadidos a golpes de marreta e contratam hackers pra corromper urnas eletrônicas.

O conservador brasileiro vai a Paris, Londres, Buenos Aires e volta encantado. "Que beleza!". "Quanta história!". "Quanta cultura!". Aí, no Brasil, faz lobby pra aprovar plano diretor que permite botar a cidade abaixo e construir outra inteirinha nova por cima —estilo neoclássico, chamado "Maison Venice", "visite o decorado".

Fica lá o brasileiro pagando pau pro East Village, pra Palermo, pra Portobello Road, sem perceber que se não demolíssemos tudo, teríamos bairros tão bonitos quanto. Não faz muito tempo, 1998, fui estudar na PUC. Os quarteirões em torno eram de sobrados com jardins na frente. Do ponto de ônibus pra faculdade eu passava por roseiras, jasmins, casais de velhinhos sentados em varandas, vendo o movimento da rua. Nasci e cresci na Vila Olímpia, também um bairro de sobrados, pequenas casas geminadas, charmosas, com uma vida de bairro. Da mesma forma era Pompeia, Pinheiros, Vila Madalena, Moema, Itaim. Tudo foi ou está sendo posto abaixo.

Os arautos do empreendedorismo demolitório afirmam que São Paulo tem uma densidade populacional muito baixa, comparada a outras metrópoles. Que é preciso verticalizar. Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o plano tanto assim. É preciso apagar a cidade e começar de novo?

Meus filhos estudavam numa escola linda, um casarão feito sob medida para crianças, em Santa Cecília. O imóvel, alugado, foi vendido e posto abaixo em uma semana. Eu passei muitas noites da minha juventude no bar Ó do Borogodó, aqui em SP: no "túmulo do samba", era um dos possíveis novos quilombos de Zumbi. Todo mundo do samba paulistano passou (passa) por ali. De novo: o dono do imóvel o vendeu. O quarteirão vai abaixo. O bar Balcão, onde uns trinta anos da vida cultural paulistana se desenvolveu, também vai virar entulho.

Estou citando apenas os lugares que são caros a mim. Certeza que o leitor da zona norte, sul, leste ou oeste tem uma dúzia de outros exemplos. É chato escrever certas platitudes, mas vá lá: lugares são importantes para além do seu valor comercial. Não à toa, há imóveis que são tombados por sua importância histórica e cultural. O problema é que São Paulo não dá tempo para que esse valor se cristalize. Aqui, a gente corta o bem pela raiz.

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