Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Alimentos ultraprocessados do bem?

Alguns ultraprocessados parecem trazer benefícios à saúde, e isso pode não fazer a menor diferença para a população brasileira

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No fim dos anos 2000, cientistas do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP desenvolveram uma nova classificação de alimentos, que fundamentaram as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira.

A Nova, como é chamada a categorização, leva em consideração não somente a extensão do processamento industrial do alimento, mas também o seu propósito.

E quando o propósito da indústria é aumentar a palatabilidade de seus produtos via adição de açúcar, gordura, sal, aromatizantes e outros aditivos, nasce o tal alimento ultraprocessado.

Alimentos ultraprocessados - biscoitos, batata frita, sorvete
Biscoitos, batata frita e sorvete são exemplos de alimentos ultraprocessados - Eduardo Knapp - 25.ago.21/Folhapress

Há evidências suficientes para acreditar que os ultraprocessados contribuem para a obesidade e seus agravos, sobretudo por driblarem com maestria nossos mecanismos cerebrais de controle de fome e saciedade. A quem se preocupa com a saúde coletiva, resta recomendar que se evite o seu consumo.

Mas será que todos os ultraprocessados são igualmente nocivos?

O mero exame da diversa lista de alimentos que compõem a categoria nos leva a crer que não. São produtos de origem animal e vegetal, com imensa variação nos teores de açúcar, gordura, substâncias bioativas, calorias, fibras etc. Convenhamos que um chocolate 90% cacau e um Chokito — ambos do time dos ultraprocessados — apresentam consideráveis singularidades nutricionais.

Um amplo estudo recentemente publicado reforça a tese. Pesquisadores examinaram a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e diabetes do tipo 2 num grupo de aproximadamente 100 mil estadunidenses.

Os consumidores mais assíduos de ultraprocessados apresentaram risco de desenvolver diabetes 46% superior ao daqueles que menos consumiam esse tipo de alimento. Um dado que se soma a outros tantos na mesma direção.

A novidade surge quando a lupa é posta sobre os vários subgrupos de ultraprocessados. Enquanto molhos e condimentos industrializados (maionese, ketchup, margarina etc.), pratos prontos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas sustentaram o elevado risco de diabetes, pães integrais, cereais matinais, iogurtes e sobremesas lácteas foram associados com menor incidência da doença.

O resultado permite sugerir que o consumo habitual de alguns ultraprocessados possa conferir, em alguma medida, benefícios à saúde.

Mas antes que vozes se elevem contra o guia brasileiro e sua regra de ouro de restrição de ultraprocessados, é preciso dimensionar o impacto do novo estudo para a nossa população.

Até que se prove o contrário, ultraprocessados de bom valor nutricional —como os ricos em fibras e com baixo teor de sódio, açúcar, óleos hidrogenados, farinha refinada e outros aditivos "cosméticos"— poderiam compor uma dieta saudável.

Acontece que, pelo custo proibitivo, tais alimentos não chegam à mesa dos brasileiros. A parcela de ultraprocessados que cabe no bolso da população é o que resta de pior: margarina, biscoitos, salgadinhos, pães brancos, refrigerantes. E se políticas fiscais e programas nutricionais não forem urgentemente implementados, num período de três anos, esses alimentos tenderão a se tornar mais baratos do que os in natura, o que intensificará seu consumo inevitavelmente.

Nesse cenário, prevenir que esses alimentos de mentira — que já representam cerca de 20% das calorias consumidas pelos brasileiros, segundo dados da POF — continuem a ganhar terreno é uma questão de saúde pública inadiável.

É auspicioso que a ciência avance na caracterização dos diferentes tipos de ultraprocessados, produzindo subsídios para eventuais aprimoramentos do guia. Mas é preciso manter os pés na realidade social. Pães integrais, chocolate dark, iogurtes proteicos e outros ultraprocessados "do bem" são iguarias distantes do cardápio da população. Em gôndolas de supermercado de bairro nobre, dificilmente contribuirão com a saúde pública brasileira.

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