Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Os precatórios na disputa pelo orçamento público

Pagamento de mais de R$ 90 bilhões em três anos deveria incorporar discussão das contas públicas

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A evolução dos valores dos precatórios —dívidas do governo reconhecidas através de decisões judiciais— ganhou notoriedade em 2021, quando foram aprovadas duas emendas constitucionais que estabeleceram um teto para o pagamento dessas dívidas.

O montante que excedesse o limite estabelecido —o valor de 2016 corrigido pela inflação— se acumularia de 2022 até 2026, quando então a dívida deveria ser quitada. A realização de valores "atípicos" justificaria a moratória temporária dessas dívidas.

Em 2022, os valores dos precatórios alcançaram R$ 90 bilhões. Mas, em 2013, o montante correspondia a pouco mais de R$ 15 bilhões. O crescimento dos precatórios ao longo do tempo é de fato impressionante: em menos de uma década, o orçamento direcionado a eles tornou-se seis vezes maior. Este crescimento seria mesmo "atípico"? Ou indica uma mudança estrutural na forma através do qual as dívidas estão sendo reconhecidas pela Justiça? O que poderia estar por trás de um aumento tão expressivo desses valores?

Uma hipótese seria um aumento de produtividade do Judiciário, decorrente do uso de tecnologias e da adoção do trabalho remoto que foram introduzidos na pandemia. Esse aumento de produtividade reduziria o estoque de casos à espera de uma decisão, resultando em um crescimento mais expressivo dos valores devidos pela União.

Mas a evolução histórica dos precatórios mostra tendência de crescimento "atípica" mesmo antes de 2022. Em 2019, ano anterior à pandemia, o orçamento destinado aos precatórios chegou próximo a R$ 45 bilhões, o triplo do valor de 2013. Essa observação sugere espaço para outras explicações no crescimento das decisões judiciais desfavoráveis à União.

Além disso, houve um crescimento considerável de demandas judiciais em tramitação de elevado risco para a União. Os riscos fiscais prováveis são casos no qual a probabilidade de perda por parte da União é alta, ensejando o registro do passivo em balanço, conforme classificação que é feita pela AGU e divulgada pelo Tesouro Nacional.

Entre 2015-2018, os riscos prováveis estavam em torno de R$ 150 bilhões, mas passaram para R$ 820 bilhões entre 2019-2022. Como a classificação das demandas judiciais sob risco provável leva em conta tanto a probabilidade de perda quanto a fase processual das ações, abrem-se espaços para explicações que também estão relacionadas à forma como o Judiciário interpreta as obrigações que cabem à União.

Por exemplo, parte relevante dos precatórios está relacionada a benefícios previdenciários. Estes são casos no qual o governo não paga um benefício que é visto pela Justiça como devido. Em 2021, 50% dos precatórios estavam alocados ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social, responsável pela execução de tais pagamentos. Mas se há uma visão estruturalmente diferente entre o Executivo e o Judiciário do que é de direito para a previdência do cidadão, não caberia ao formulador das leis, o Legislativo, reformular a lei, minimizar as dúvidas e reduzir as disputas?

Além disso, a disputa judicial na garantia de direitos dos cidadãos deixa de fora justamente os que mais dependem da seguridade social. Ela é regressiva e exclui os mais pobres. A Justiça não deveria ser a forma através da qual as pessoas acessam direitos básicos de responsabilidade do Estado.

Por fim, é importante lembrar que as decisões judiciais tomadas caso a caso não levam em conta a pressão que exercem sobre as demais despesas que compõem o orçamento público. Para um dado orçamento, dar para uns necessariamente significa tirar de outros. Nesse sentido, o orçamento público precisa ser pensado de forma integrada, e decisões judiciais são incapazes de internalizar os custos de oportunidade dos recursos públicos.

O expressivo crescimento dos valores dos precatórios nos últimos anos demanda uma reavaliação rigorosa dos motivos que levaram a Justiça a comandar parte considerável do orçamento público. Se são direitos fundamentais sob responsabilidade do Estado, a via judicial é a melhor forma de garanti-los? E para os outros casos? Decisões judiciais devem ter prioridade sobre demais gastos sociais, como saúde e educação?

Existe uma importante discussão em curso sobre a forma como será feito o reconhecimento das dívidas não pagas e que estão se acumulando desde 2022. Mas o pagamento de um valor acumulado de mais de R$ 90 bilhões em três anos também deveria incorporar a discussão sobre quanto queremos alocar do orçamento público ao pagamento de precatórios.

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