Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Guedes

Quem vender a democracia brasileira em troca de liberalismo econômico vai acabar sem os dois

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Celso Rocha de Barros

O único lado racional do governo Bolsonaro é o lado de fora. Ninguém que se propôs moderar o bolsonarismo por dentro teve, até agora, qualquer sucesso. Pelo contrário, foram todos rebaixados ao nível do chefe.

O ministro da Economia disse que entende por que os bolsonaristas pedem um novo AI-5. Segundo Guedes, os apelos por fascismo se justificam porque Lula pode convocar protestos que, inspirados em Leonardo Di Caprio, taquem fogo em tudo. A mera ameaça de algo assim já teria, ainda segundo o ministro, derrubado a reforma do serviço público.

No meio da conversa, Guedes pediu que todos aceitassem o resultado da eleição.

Paulo Guedes olha para baixo, franzindo a testa. Ao seu lado e ao fundo, Jair Bolsonaro, com rosto desfocado, repousa a mão no ombro do ministro.
Presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Fazenda Paulo Guedes deixando o Palácio do Planalto para entregar pacote de reformas ao Congresso Nacional - Ueslei Marcelino/REUTERS

Na verdade, Bolsonaro abortou a reforma porque nunca quis fazê-la. Guedes fingiu que acreditou que a culpa fosse de Lula porque também precisava de uma desculpa: nunca conseguiu aprovar reforma que Rodrigo Maia não lhe tenha entregado pronta.

Não há protestos, violentos ou pacíficos, acontecendo no Brasil. Se houvesse, a democracia lidaria com eles como lidou com 2013, com 2015 e com a greve dos caminhoneiros de 2018.

Quanto a aceitar o resultado da eleição, ministro, faz só um ano, não deu tempo para esquecer: durante a campanha do ano passado, Bolsonaro disse repetidas vezes que não aceitaria o resultado em caso de derrota.

Em uma entrevista a José Luís Datena no hospital, Bolsonaro disse: “eu não posso falar pelos comandantes militares, respeito todos eles, mas pelo que eu vejo nas ruas, eu não aceito resultado diferente do que a minha eleição”.

Ministro, o senhor tem qualquer interpretação desta frase que não implique que seu chefe teria tentado um golpe de estado contra o presidente Fernando Haddad, com ou sem o apoio logístico do astro de “Titanic”?

Na verdade, Bolsonaro não é mais um “risco” para a democracia brasileira. A escalada autoritária já está em curso.  A desmontagem da democracia brasileira está acontecendo agora, diante de nossos olhos.

A guerra à imprensa livre não tem igual na história do Brasil democrático. O governo Bolsonaro está tentando estrangular financeiramente todos os órgãos de imprensa que denunciem seus crimes. A Folha foi excluída de uma licitação, e a distribuição de verbas publicitárias para a TV foi alterada para punir a Rede Globo. É a mesma estratégia usada na Hungria pelo governo Orbán. Eduardo Bolsonaro, lembrem-se, voltou de Budapeste no começo do ano dizendo que havia aprendido como lidar com a imprensa.

E o aparato repressivo está sendo montado. Excludente de ilicitude na repressão a protestos é pouco sutil mesmo para Bolsonaro.  

Na primeira versão desse texto eu terminava pedindo que o empresariado, os militares e a turma de Sergio Moro se pronunciassem oficialmente, em voz alta, em público, contra o autoritarismo bolsonarista.  Eu sei, pode rir, eu também comecei a rir alto enquanto escrevia, por isso apaguei.

De qualquer maneira, deixo uma dica para os ricos brasileiros, uma dica que eles não merecem.

Como mostrou o artigo de Laura Carvalho na Ilustríssima de ontem, nenhum outro populismo de direita da onda Orbán é liberal em economia como Guedes lhes prometeu que Bolsonaro seria.

Quanto mais os bolsonaristas se consolidarem no poder, menos vão precisar do apoio de vocês. Quem vender a democracia brasileira em troca de liberalismo econômico vai acabar sem os dois. Como da última vez.

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